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Conversas psicanalíticas

Cidades lacanianas Marcus André Vieira

    • Gesundheit und Fitness

Conversas psicanalíticas

    No umbigo da noite (com Flavia Cera e Eliane Dias)

    No umbigo da noite (com Flavia Cera e Eliane Dias)

    (conversa a partir do conto "Na vastidão, o céu da noite" de Itamar Vieira Junior - leia aqui - imagem do episódio de Flavio Pessoa) 

    Em toda história que se conta, há silêncio. Nem todo o vivido pode passar para o dizer. Às vezes, o que se experimenta é por demais insuportável e banido. Outras vezes, será esquecido apenas por não ter cabimento. A vida é assim: se escreve, também, pelo não-dito.

    Não-ditos nunca são apenas feitos de vazio. São detalhes enigmáticos: um pequeno gesto de mão perdido no ar, um sorriso quase triste, o som de uma bofetada do outro lado da porta, um olhar de cumplicidade.

    Uma análise tem relação especial com esses detalhes, pois, pontos cegos das histórias que se conta, valem muito ao conter tudo o que ainda restou por dizer. Guardam de modo perturbador o que poderia ter sido e não foi, localizando o improvável e o imprevisto.

    Freud orientou o analista a buscar esses elementos por sua estranheza, situando-os, em uma metáfora célebre, como o umbigo do relato, de um sonho, por exemplo. Tal como um umbigo, são rasuras, cicatrizes ou dobras, pontos por onde a narrativa penetra no desconhecido. Lacan preferiu designar esses estranhos pontos cegos com apenas uma letra, seu objeto “a”. É a estranha opacidade do silêncio tomada como objeto.

    Os objetos “a” serão os protagonistas de uma análise. Por serem presenças indeterminadas, funcionam como portas para outros passados, prenhes de novos futuros. Através deles, surgem memórias que nem se imaginava existir.

    Como a matéria prima para a reescrita do futuro é esse passado, ocorre de esses dizeres dos não-ditos se acumularem, fazendo pressão. Nenhum problema. É exatamente esse processo que força uma nova arrumação da casa.

    Na falta de arquivo, porém, fica difícil fazer o silêncio falar. É o que vivem os que vem de gerações de silenciados. Quando só restam essas pequenas coisas, elas se acumulam em seu silêncio constituindo toda uma área obscura que ganha os poderes do breu da noite. Como os silêncios não são puros vazios, mas cheios de vida não dita, atraem para si mais e mais experiências de silêncio e silenciamento, agindo quase como os buracos negros dos astrônomos. O buraco negro de uma história tende a atrair para si o que houver em volta e a tudo levar a lugar nenhum. No entanto, ainda assim é possível, em vez de, nele, nos perdemos de nós, tomá-lo como portas que se abrem a outros espaços de vida, outras histórias. Basta ter a chave.

    É o que ensina o conto Na vastidão da noite, o céu estrelado de Itamar Vieira Júnior. A partir do trabalho de Flávia Cera em torno desse conto, convidei a autora e Eliane Dias para conversar sobre realidade histórica e fabulação crítica, o objeto “a” como buraco negro, literatura e psicanálise, ou ainda sobre o silenciamento entre denegação e foraclusão, entre outras tantas coisas.

    No conto de Itamar, o nome da chave é Bárbara, tataravó escravizada da protagonista Rita. A violência do silenciamento parece sentenciar que nada restaria de sua ancestral, mas pequenos elementos, entre romance familiar e realidade histórica vão compondo uma construção sobre o que teria sido Bárbara.

    Ao mesmo tempo, essa montagem é orientada por aquilo que na vida de Rita repercute quase que intuitivamente sua ancestral compondo um amálgama vivo entre passado, presente e futuro. Rita nos lança ao mesmo tempo na investigação dos buracos negros do universo e os de sua história e aprendemos com ela, não apenas que o futuro não é possível sem um tanto de passado, mas que, mesmo na falta de arquivo, pode-se confeccionar a gambiarra pessoal que sirva a nos dar a certeza de que a vida sempre pode ser outra do que terá sido  (Marcus André Vieira)

    • 31 Min.
    Que liberdade? (com Adriano Lourenço e Luis Rodrigues)

    Que liberdade? (com Adriano Lourenço e Luis Rodrigues)

    O psicanalista tende a se ver em exterioridade com relação à cidade - como se pudesse erigir seu consultório em um lugar atópico, o de um intelectual estrangeiro, por exemplo. Age como aquele que estaria sempre em outro mundo, ou ainda em um espaço zen, extraterritorial, termo de J. Lacan para ironizar esse ponto de onde o analista assistiria ao mundo, nos domingos da vida.

    Apesar disso, porém, na prática analítica não há como estar de fora. O material que se apresenta nas histórias que nos contam os analisantes não tem unidade o bastante para estabilizar de modo firme um dentro-fora. Afinal, dos personagens de minhas narrativas em análise, quais fazem parte de mim? Quem é propriedade de minhas memórias? Apenas os que conheci? Ou devo incluir os parentes, mesmo os de gerações passadas de quem só ouvi falar? E os personagens marcantes de ficção lida, ouvida ou assistida? Dito de outro modo, quais as fronteiras de minha cidade psíquica? Estamos bem distantes da ideia de um porão ou baú de memórias em que ainda se teima em meter o inconsciente freudiano.

    Vale aqui a aproximação surpreendente feita por Lacan entre o inconsciente e a cidade em que estava quando de suas conferências em Yale: “a melhor imagem para resumir o inconsciente é Baltimore, ao amanhecer", uma miríade de luzes, ruas e veículos em trânsito vistos da janela de seu quarto de hotel. Não há no inconsciente-Baltimore nenhum espaço fora de Baltimore. Há, claro, vielas abandonadas, espaços esquecidos, pode haver submundos e porões, mas tudo está ali e acontece ao mesmo tempo agora, não em outra dimensão de espaço ou tempo.

    A ilusão autocentrada do analista é ainda mais incongruente em um momento da cultura em que nada mais fica de fora da "grande feira" contemporânea, como Lacan se refere a nossos dias (cf. Radiofonia). Só há “fora” na condição do absolutamente fora, não como o excluído, a quem sempre pode se prometer incluir, mas como o matável, aquele invisibilizado cuja vida não conta por não ser apto a participar do consumo. Dito de outra forma, fora da guerra de todos contra todos do mercado, só os objetos da barbárie necropolítica.

    No entanto, se, apesar do que alguns analistas creem, a prática freudiana se faz sempre in loco, sem visão panorâmica, sem outro lugar a não ser o das caminhadas pela cidade de seu analisante, talvez o analista tenha algo a propor. Não poderia o analista ter algo a dizer sobre o que seria conquistar alguma liberdade, no mínimo paradoxal, claro, para quem se move necessariamente dentro de uma matriz que não escolheu e de qual não há saída possível?

    Neste Radar do Psicanalista Cidadão, convidei Adriano Lourenço e Luís Rodrigues para uma conversa com base em duas concepções de cidade e de ação política que parecem afins com essas premissas freudianas. Discutimos não o que seria uma política específica da psicanálise, se é que há alguma, mas duas formas de conceber a política que parecem partilhar de elementos próximos aos que põe em cena o ato analítico: A teoria política de Hanna Arendt e a de Chantal Mouffe e Ernesto Laclau. Falamos de noções como liberdade e determinação, milagre e acontecimento, a contingência do ato, o acontecimento e a interpretação analítica.

    A expressão “psicanálise tátil” me pareceu traduzir de modo feliz o modo como o pé-no-chão do analista, nada zen, nada extraterritorial, possa, talvez, permitir que ele ande junto com os que nos ensinam sempre ser possível, a despeito de tudo, engendrar em pleno sol do meio-dia, um campo de sombra, uma exterioridade interna, êxtima segundo o neologismo de Lacan. São os que se aquilombam a partir de seu fazer e que, por isso mesmo, são os mais visados pela necropolítica de mercado, esses que com um pouco de arte ou loucura promovem o milagre do acontecimento subversivo, tal como foi o de Freud em seu tempo.

    Marcus André Vieira.

    • 49 Min.
    Pajubá e lalíngua (A memória do esquecido)

    Pajubá e lalíngua (A memória do esquecido)

    Quantas línguas há na nossa língua mãe? Além daquela do pai, da norma culta; e a da mãe, de ternuras ancestrais, há ainda, muitas mais, muito mais no cristal da língua. Nele, cabem até mesmo os brados dos paranoicos no poder. Boas mesmo são as línguas que trazem fragmentos de um passado perdido, de indefiníveis certezas. Somos transportados a uma zona da memória impossível de localizar. São elas que habitam a tendência irresistível para alguns de fazer, de uma flor, fulô e para outros, para quem flor é flor, ainda assim de bater com o pé no chão quando ouvem “pisa na fulô, pisa na fulô...”

    Que memória é essa? A mesma que Proust nos leva a sentir, mesmo não tendo ideia do que seja uma Madeleine. Basta mergulhar nossos fragmentos sonoros no caldeirão da língua quando dizemos, meu dengo, meu araçá.

    Para Freud, a memória não tem limites. A ideia de um estoque finito, como pensa a neurologia, mostra seu caráter de ilusão quando a mesma ciência não cessa de destacar como as conexões neuronais são incontáveis por se fazerem e refazerem sem cessar. Freud não se interessa pelo arquivo morto. O que conta, o que desperta e faz sonhar são as memórias do esquecido. Valem as que não se encaixam no verbo da cidade, andarilhas errantes. Para tudo que não coube na língua pública e nem na privada, mas apenas ficou como ressonância, ritmo, cor, Lacan inventa um nome, fazendo cantarolar sua langue com o termo lalangue, lalíngua em português, menos vibrante. É com ela que lida o psicanalista ao fazer os fragmentos de história fora da história de cada um falar.

    Quanto de alfabestização é preciso para que, em bom português, valorizemos os encontros consonantais em chiados e erres prolongados? Quanto se encolhem nossas vogais quando dizemos “dentro de mim” em vez de “dendimim”? “Muito prazer” em vez de “ôba!”?

    Nessa distância entre lalíngua e a língua oficial brotam dialetos. Vivi um deles por anos, o dialeto médico, com seu jargão entre radicais gregos e latinos, tendo um termo para qualquer evento a fim de evitar que o paciente saiba que dele falam como de uma coisa. De “hanseníase” para lepra ou do atual “cuidados paliativos” para fim de linha, o jargão médico sempre me deu a impressão de um modo pretensioso de esconder a morte ao preço de uma mortificação da linguagem.

    Esse número do Radar do analista cidadão busca o encontro com outro dialeto, quase o avesso daquele do médico, o pajubá. É o dialeto dos trans e de sua rua, reinjetando lalíngua na língua oficial, sexualizando a linguagem e falando a seu modo da vida e da morte.

    A ideia partiu de Maricia Ciscato, mais especificamente de seu encontro com as falas de Amara Moira que é, ela própria, ponto de encontro entre o pajubáa experiência trans da rua, prostituta que é ao reverberar na ponta de sua língua, tanto o pajubá das ruas quanto, em sua tese de doutorado, as onomatopeias de Joyce. Conversando com Maricia e com Veridiana Marucio, vimos como basta que se ouça Amara em pajubá para sejamos transportados a essa periferia da língua onde ecoam os terreiros, talvez de modo próximo e distinto daquilo que Lélia Gonzalez chama de pretuguês. 

    Além do dialeto médico, tenho vivido há um bom tempo no lacaniano. A trama de palavras pacientemente tecida por Lacan ao longo dos anos para nos levar o mais próximo do calor dos acontecimentos pegou muita friagem no caminho ao vir para nossas terras. Não apenas perdeu sabor, mas ganhou uma ossatura que mimetiza demais a do francês, nos levando a dizer coisas estranhas como “da ordem de...”, ou “objeto pequeno a” com a maior naturalidade. Meus votos são os de que esse Radar abra os ouvidos dos que usam os termos de Lacan como usavam os médicos do meu passado para a força e virulência que tinham em seu tempo, como os termos do Pajubá têm hoje, no nosso. (Marcus André Vieira)

    • 39 Min.
    A madame saiu (Lelia Gonzalez e a subversão do sujeito)

    A madame saiu (Lelia Gonzalez e a subversão do sujeito)

    Com Danielle Menezes e Geisa de Assis 

    Como resgatar uma história não apenas perdida, mas sobre a qual incidiu um silenciamento radical? Radical, por visar todo um mundo de gente fadada à exploração e à inexistência. E como minar esse racismo estrutural que segue vigente nos corações e corpos de todos nós? Lélia Gonzalez o faz “numa boa”, como diz. Não é exatamente revolucionária, no sentido de sonhar com a substituição de uma estrutura nefasta por outra melhor. Também não busca a destruição desse mundo, mas muitas vezes produz sua mudança por dentro, que Lacan chamou de subversão. A subversão se faz pelas falas de sujeito, falas de uma singularidade que perturba uma situação viciada semeando a possibilidade de uma mudança. Essas falas não vêm do céu, mas, para Lélia, da lata de lixo, retomando o que propõe Miller para o fazer do analista. Lélia anuncia seu programa: “o lixo vai falar, e numa boa”. O lixo não é alguém, mas, sim, os restos, em alguém, do que não se chegou a dizer. A esse lixo não será preciso conceder lugar de fala, mas ele próprio criará seu lugar.

    É fazer valer a potência subversiva do que é silenciado, mas, que, nem por isso, deixa de agir. Pelo contrário. Isso, inclusive, força passagem em nossa língua através das marcas, das cicatrizes e dos destroços que não puderam ser eliminados. Nesse sentido, por exemplo, Lélia resgata tudo o que foi dito, um dia, a respeito da figura da mucama para reler a falsa oposição entre a mulata hipersexualizada e a dócil empregada. Ela conta, ainda, ao modo do chiste, como respondeu ao entregador que toca à campainha e pergunta: “A madame está?” E ela diz: “Não, a madame saiu”. Em vez de conscientizar o entregador de que a madame não existe e nem deve existir, ela o força a lidar com o paradoxo de uma “dona” negra.

    Como o silenciado é feito de memória, fragmentos de cenas, palavras, cheiros e sons perdidos, seu impacto é estranho. E, às vezes, o essencial é apenas uma dobra na língua. Para alguns, no exemplo de Lélia, a tendência a falar Framengo, em vez de Flamengo, pela impossibilidade de em algumas línguas banto articular o fonema “fla, ou p “ble” de problema.

    É sua tese de base: nosso mundo é feito em grande parte de ossatura negra, assim como índígena, que reverbera. Basta alguém enunciar, Oxalá, por exemplo. As ressonâncias vão longe. Aposto que nem mesmo os donos do agronegócio ou os empresários paulistanos são insensíveis aos ecos do tupi ou do iorubá de nossa conversa de todo dia. É o pretuguês, de Lélia. A língua brasileira, ou melhor, das terras de uma “Améfrica ladina”, expressão resgatada por ela de MDMagno. O pretuguês é o português que se deixa atravessar não apenas pelo que da sua história foi rechaçado, mas estraçalhado. Suas marcas, porém, estão no ar, na argamassa do que nos constitui. Somos filhotes da cultura, feita não apenas do que se vê e sente, mas também do que se pressente na ponta da língua, desses restos linguageiros que Lacan chamou lalíngua.

    Que a leitura de Lélia possa ser usada não apenas pelos calados por um silêncio assassino para encontrarem um caminho de fala e transformação. Mas, também, que se aquilate como a interpretação psicanalítica se utiliza da lalíngua do analisante para fazer o novo falar. Aprendemos com ela sobre o modo como o analista pode, com sorte e muita transpiração, fazer valer, em uma vida, o lixo como abertura a um novo horizonte.

    Marcus André Vieira

    • 24 Min.
    Solidões

    Solidões

    Conversam Ana Lucia Lutterbach e Marcus André Vieira

    • 18 Min.
    O sintoma e o inconsciente

    O sintoma e o inconsciente

    Introdução à psicanálise I (para disciplina na PUC-Rio)

    por Marcus André Vieira

    • 10 Min.

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