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Reflexão crítica sobre a atualidade.
Enfoque nas questões sociais e direitos humanos.

DE AVIUGES PARA O MUNDO Jose Carreira

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Reflexão crítica sobre a atualidade.
Enfoque nas questões sociais e direitos humanos.

    “Poetas sociais”

    “Poetas sociais”

    Em entrevista ao Jornal Solidariedade, da CNIS (Organização que representa a instituição que dirijo), a senhora Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Dr.ª Luísa Salgueiro, diz que “Vamos passar por um processo em que vai ser necessário que as IPSS, o setor social demonstre a vantagem do seu trabalho”.

    Senhora Presidente, nós, com vantagens e desvantagens (como em qualquer setor), damos o nosso melhor, fazemos (pode estar certa disso) muito com pouco, todos os dias. Não me refiro ao milagre da multiplicação dos peixes, mas, isso sim, à realidade quotidiana de trabalho árduo, em prol das comunidades em que nos inserimos, das famílias e de cada pessoa que confia no nosso trabalho. Temos margem para melhorar e otimizar a eficácia e a eficiência das nossas ações? Sim, com toda a certeza. Não posso, contudo, aceitar que, nesta fase do campeonato, nos venham dizer que (ainda) temos que provar. O terceiro setor nunca faltou à chamada, disse sempre sim, mesmo nos momentos mais conturbados económica e socialmente que assolaram o nosso país. Não tenho quaisquer dúvidas quanto à validade, qualidade e relevância do nosso trabalho, fortemente alicerçado nas relações de proximidade, contribuindo, em grande medida, para o combate à pobreza e à desigualdade social e para a coesão territorial.

    O Decreto-Lei nº 55/2020, de 12 de agosto, veio dar execução à Lei nº 5/2018, de 16 de agosto – diploma que aprovou a transferência de competências para as autarquias locais, em vários domínios, designadamente em matéria de ação social. As portarias nº 63, 64, 65, e 66 de 2021, respetivamente relativas a SAAS – Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social, CLDS – Programa Contratos Locais de Desenvolvimento Social, à celebração e acompanhamento dos contratos de inserção dos beneficiários do RSI e Cartas Sociais Municipais, vieram regulamentar o referido Decreto-Lei nº 55/2020.
    As Obras Sociais de Viseu desenvolvem, em parceria com o Município de Viseu, na qualidade de Entidade Coordenadora Local de Parceria, dois CLDS de 4.ª Geração – Viseu Comunidade de Afetos e Viseu Positivo – tendo já executado o CLDS 3G Viseu Igual que envolveu mais de 18 000 pessoas, num trabalho sério, de qualidade e merecedor da confiança e reconhecimento por parte dos beneficiários e dos nossos parceiros. No que concerne ao SAAS, após três anos de trabalho, na Rede Local de Intervenção Social (RLIS), ao abrigo de um projeto financiado pelo Programa Operacional de Inclusão Social e Emprego (POISE), passámos a executar, através de acordo de cooperação com o Instituto de Segurança Social, as respetivas competências.
    Tal como nós, nas Obras Sociais de Viseu, muitas entidades, em todo o território nacional, constituíram equipas multidisciplinares para cumprir, com sucesso, as missões que lhes são confiadas e contribuírem para o êxito das políticas públicas. Em linha com Eugénio da Fonseca (Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado), também eu acredito que muitas das nossas IPSS já lutam por serem “poetas sociais”: “O «poeta social» trabalha para que se torne realidade o que para alguns não passam de meros sonhos: arrisca, propõe ideias novas, porque a relação de proximidade faz conhecer os anseios concretos das pessoas: é criativo; promove iniciativas que contrariam o «sempre se fez assim»; é audaz; liberta, pois não faz para, nem por os outros, mas com eles, particularmente com os mais vulneráveis; é sensível.”

    Reunindo os meios necessários, queremos continuar a ser parceiros de referência na intervenção social e comunitária, cumprindo a nossa missão e contribuindo para a densificação da valiosa e imprescindível rede social.

    Capacitámo-nos e queremos continuar a contribuir para a longevidade feliz das pessoas, ao longo do seu percurso de vida, promovendo, na comunidade em que nos inserirmos, a saúde, a segu

    • 4 min
    África: da inspiração ao lixão

    África: da inspiração ao lixão

    Gabriela Pinheiro, na secção de MODA da revista E (Expresso) diz-nos que o “continente africano é uma grande manta de retalhos que junta várias culturas e tribos e essa diversidade é uma fonte inesgotável de inspiração para o mundo da moda.” Uma inspiração que resulta quando “misturada com referências urbanas”. Estas peças únicas conquistam as “mais sofisticadas tribos urbanas”. As tribos urbanas alimentam a indústria da Fast Fashion, a moda descartável que impulsiona e responde ao apelo desenfreado das catedrais do consumo. “Cada pessoa, pelo menos em espírito, tornou-se um hiperconsumidor.” (Gilles Lipovetshy)

    A indústria do têxtil gera 2,4 biliões de dólares por ano e emprega mais de 300 milhões de pessoas (The United For Alliance Sustainable Fashion). A indústria da moda é eminentemente poluidora, responsável por 2 a 8 % das emissões de gases com efeito de estufa e 9% dos microplásticos despejados, anualmente, nos oceanos, consome 215 biliões de litros de água por ano e menos de 1% do material usado para produzir roupa é reciclado. O contente africano, que serve de inspiração à indústria da moda, paga um preço altíssimo porque 70% da roupa usada no mundo é para lá enviada “ganhando uma segunda vida”.

    A Grande Reportagem, num trabalho da jornalista Amélia Moura Ramos e do repórter de imagem Paulo Cepa, visitou o maior mercado africano de roupa em segunda mão e testemunhou os efeitos devastadores do consumo desenfreado da moda descartável. Um problema ambiental, social e humanitário. A fast fashion alimenta toda uma cadeia de roupa em segunda mão. Compramos quantidade sem qualidade, usamos pouco (ou nem chegamos a usar) e deitamos fora rapidamente ou colocamos, aliviando as nossas consciências, num dos contentores espalhados pelo país.
    Uma empresa de Braga, a Ultripo, procede à recolha periódica, faz a triagem e envia os fardos para países africanos. 7 milhões de quilos de roupa por ano transportados em 3000 contentores. O CEO, Jan Karis, não revelou (o segredo é a alma do negócio) o preço de cada fardo. Há alguns anos a “roupa do brancos mortos” chegava aos mercados africanos com tanta qualidade e em quantidade que os seus recetores pensavam que os seus anteriores donos tivessem morrido.

    Agora, as vendedoras compram os fardos às cegas, não sabem o que a sorte lhes reserva, não raras vezes compram “lixo”. “O têxtil do homem branco já não é o que era”, 90% tem origem na fast fashion. De fraca qualidade na origem, será fácil de imaginar como chega depois de usado aos mercados como o de Kantamanto no Gana (segundo maior importador de roupa usada, depois do Paquistão), onde chegam semanalmente 15 milhões de peças de roupa usadas.
    A “caridade da roupa”, na verdade, é um negócio de milhões que mais não é do que despejar o “lixo dos ricos no quintal dos pobres”. Também no Gana foi instalado um dos maiores “cemitérios eletrónicos” do mundo, um dos locais mais poluídos do planeta. É impossível ficarmos indiferentes aos escaladores, apanhadores de lixo, que procuram plástico, cartão, metais, no lixão de Nope, na guerra diária pela sobrevivência.

    Não é difícil de compreender o que motiva muitos homens e mulheres a arriscarem as suas vidas na travessia oceânica com destino à Europa.

    • 4 min
    Ele sonhou em tornar-se algo

    Ele sonhou em tornar-se algo

    Éprovável que já tenha ouvido falar em Mo Farah. Se gosta de atletismo e acompanha a modalidade, conhecerá os feitos deste atleta britânico que venceu os 5.000 e os 10.000 metros, nos campeonatos europeus; conquistou 4 medalhas de ouro olímpicas e sagrou-se, por 6 vezes, campeão mundial. Um atleta da elite mundial que conquistou o estrelato e um lugar na história da modalidade.

    Será menos provável que conheça as suas origens e trajeto de vida, desde que saiu da Somália, até receber os aplausos nas pistas de tartan nas grandes provas internacionais. Recentemente, através de um documentário da BBC, o mundo ficou a saber, na primeira pessoa, que este homem, então criança, foi traficado da Somália, no leste africano, para a Grã-Bretanha, quando tinha 8 anos e foi obrigado a trabalhar como escravo doméstico.

    “Quando eu tinha quatro anos, o meu pai foi morto na guerra civil, como família fomos dilacerados. Fui separado da minha mãe e trazido ilegalmente para o Reino Unido sob o nome de outra criança chamada Mohamed Farah”.
    Com o acordo celebrado entre o Reino Unido e o Ruanda, no valor de 120 milhões de libras, este (agora) campeão britânico poderia ter sido um dos infelizes contemplados com uma viagem de ida, sem volta, engrossando o contingente das deportações. Como escreve Jere Longman, no The New York Times, “ele sonhou com tornar-se algo”. Corajosamente, decidiu contar o seu percurso simultaneamente triste e inspirador. “Eu não fazia ideia de que havia tantas pessoas que estão a passar exatamente pela mesma coisa que eu. Isso só mostra o quão sortudo eu fui. O que realmente me salvou, o que me fez diferente, foi que eu podia correr”. O atleta teve a sorte de ser apoiado pelo professor de Educação Física, Alan Watkinson. Quando, aos 12 anos, foi, pela primeira vez, à escola, o professor ajudou-o a pedir a cidadania britânica (ainda que com o seu nome falso). Com este ato corajoso e inspirador devolve a esperança a milhares de pessoas e pressiona o governo britânico que tem sido pródigo, nos últimos anos, em sucessivos escândalos e inconseguimentos.
    Em Portugal, com base no Relatório “Tráfico de Seres Humanos 2020”, do Ministério da Administração Interna, foram sinalizados 29 menores e 186 adultos como (presumíveis) vítimas. No que aos menores diz respeito, sobre o tipo de exploração, registam-se presumíveis vítimas de tráfico para fins de adoção; para fins de exploração laboral/servidão doméstica; e indefinida (dados protegidos por segredo estatístico). Relativamente aos adultos, serão presumíveis vítimas de tráfico para fins de exploração sexual e exploração laboral.
    O tráfico de seres humanos é extremamente complexo. Uma realidade bárbara e indigna que levou o Papa a denunciar estes atos de inumanidade, associados às migrações: “Frequentemente, os migrantes são vítimas do tráfico de pessoas. Entre outras causas, isto acontece pela corrupção daqueles que estão dispostos a fazer qualquer coisa para enriquecer. O dinheiro dos seus negócios sujos e dos seus delitos é dinheiro manchado de sangue. Não estou a exagerar: é dinheiro manchado de sangue”.

    No mês passado, Portugal participou numa ação da Europol contra o tráfico de crianças, na qual foram detidas mais de 130 pessoas. O Conselho da Europa alertou para o aumento do tráfico de menores e da sua exploração sexual na Europa. Portugal é, em grande medida, um país de destino de vítimas de tráfico de seres humanos, sendo poucos os casos em que é o país de origem. A guerra na Ucrânia e a crise colossal – social, económica e política – que se abate sobre o povo brasileiro são dois exemplos flagrantes da atenção redobrada que o nosso país deverá dar no acolhimento de quem nos procura.

    Todos nós, na qualidade de cidadãos, devemos cooperar, estar atentos e denunciar situações que possam indiciar estes crimes, contribuindo para a eficácia e efici

    • 5 min
    TRAGÉDIAS MIGRATÓRIAS

    TRAGÉDIAS MIGRATÓRIAS

    “Mamã, já estamos a sair.” foi a última frase de uma criança ao telefone com os familiares que ficaram no México. Esta criança foi uma das 50 mortes registadas, por asfixia e desidratação, em San Antonio, Texas, dentro de um camião. Mais uma viagem de mexicanos, hondurenhos, guatemaltecos e salvadorenhos que resultou em tragédia.
    Aumentaram, com o endurecimento das medidas restritivas contra os imigrantes, as viagens clandestinas perigosas e as tentativas de saltar o muro.
    A política de imigração “tolerância zero” não reconhece a dignidade de cada ser humano. É chocante sabermos que as crianças, filhas de imigrantes ou refugiados que tentaram passar ilegalmente a fronteira, são separadas das famílias e colocadas em jaulas. Jennifer Lopez (Porto Rico), que partilhou o palco com Shakira (Colômbia), chamou a tenção do mundo para esta realidade, durante o seu espetáculo na final da Super Bowl. Na parte final da performance, crianças latinas, incluindo a sua filha, surgiram dentro de gaiolas iluminadas, representando a repressão dos sul americanos nos Estados Unidos: “O conceito é que as próximas gerações não sejam oprimidas como nós fomos”.
    Em Melilla, dezenas de corpos amontoaram-se numa estrada, meios nus, feridos, cadáveres… 1700 migrantes e refugiados, armados com paus e pedras, em desespero, dirigiram-se a um posto fronteiriço e forçaram a passagem. Dos confrontos com as autoridades resultaram 23 mortos, mais de 200 feridos, 140 agentes marroquinos e 50 espanhóis também ficaram feridos. As redes de tráfico humano prosperam enquanto crescem os “cemitérios” oceânicos. Quantos pessoas perderão a vida todos os dias, no mar, na esperança de alcançarem a costa, a terra firme, o solo europeu, a liberdade e a humanidade? “A migração de hoje é um escândalo social da humanidade.” (Papa Francisco).
    Estes dois recentes acontecimentos dramáticos exigem uma tomada de posição da comunidade internacional e a busca de soluções que promovam a dignidade de cada pessoa. Hicks informa que a sensação de nos sentirmos excluídos desperta no nosso cérebro as mesmas reações das dores físicas. A dignidade resulta da conexão connosco, com os outros e de um propósito de vida. (...)
    Entretanto, no quadro europeu surgem algumas iniciativas. O Reino Unido assinou um acordo com o Ruanda para enviar para este país migrantes e requerentes de asilo. Esta parceria de “desenvolvimento económico”, assim designada pelo Reino Unido, é atentatória da Convenção de Genebra para os Refugiados, subscrita por este país. Precisamos, urgentemente, de “soluções novas e inovadoras”, mas não deste tipo senhora Priti Patel (Ministra do Interior do Reino Unido).
    A Alemanha dá novamente um bom mote. O Governo aprovou uma reforma da política migratória que possibilitará a regularização de mais de 100.000 estrangeiros sem autorização de residência, se, como é lógico, cumprirem determinados requisitos, desde logo não terem cometido crimes. “Trata-se de uma mudança de perspetiva, queremos que as pessoas bem integradas na Alemanha tenham verdadeiras oportunidades.” (Nancy Faeser, Ministra do Interior) A Alemanha tem um déficit de mão de obra de 400.00 trabalhadores…
    Também o nosso país enfrenta dificuldades para encontrar a mão de obra necessária que supra as necessidades de alguns setores. Considero muito positivo que o Governo tenha aprovado a criação do visto para a procura de trabalho, que permite aos estrangeiros entrarem no país durante seis meses, e a eliminação do regime de quotas para a imigração.
    Saúda-se a eliminação de anacronismos e a adoção de medidas modernas que se adequem às necessidades do país e aos desafios do mundo, contribuindo para a eliminação da desumanidade e promoção da dignidade.

    • 5 min
    5 INCOMPREENSÕES

    5 INCOMPREENSÕES

    1 - Uma criança morreu, em Setúbal, vítima de maus tratos. Quão bárbaro pode ser um indivíduo, supostamente humano, que inflige a uma criança, indefesa, de três anos, atos de violência letal? O relatório anual da CPCJ, relativo a 2021, revelou um aumento de 8,6%, mais de 43 mil casos de perigo em Portugal, a maioria por violência doméstica e negligência. 2 - A guerra pelas audiências alimenta o jornalismo selvagem e descredibiliza os jornalistas, profissionais essenciais num regime democrático. As imagens captadas pelas câmaras de televisão devem envergonhar os profissionais, que aparentam desconhecer os seus limites éticos, quando não respeitam o outro, quase o abalroam e lhe metem o microfone na boca contra a sua vontade. A revolta da comunidade é inteligível. O desrespeito pela menina, no dia do seu funeral, é incompreensível e revelador do mediatismo orwelliano. Foi mais forte a ânsia de agressão à progenitora do que a vontade de garantir uma despedida digna à Jéssica. 3 - É profundamente errónea a ideia, que parece fazer o seu caminho, de existir uma espécie de violência de classe, como se fossem os pobres mais propensos a atos bárbaros. Sabemos que não é assim. Lamentavelmente, a violência e os maus tratos são transversais à nossa sociedade como um todo e não escolhem orçamentos, raças, sexos, idades…4 - O Eixo do Mal, na SIC, exibiu uma intervenção da Vereadora Independente por Lisboa, Laurinda Alves, que seria anedótica não fosse proferida pela responsável dos Direitos Humanos e Sociais na Câmara de Lisboa. Pressupondo que não terá passado de um momento infeliz, as suas declarações são reveladoras de um maternalismo anacrónico, desajustado ao paradigma de intervenção social desejável que em nada contribui para desconstruir o estigma e combater o preconceito em relação às pessoas em situação de sem-abrigo. Justificou a não atribuição de bilhetes para o Rock in Rio Lisboa com esta frase: “Ficava complicado, nomeadamente porque há situações de consumos e que poderíamos estar a potenciar". Tenho que ser sincero, já ouvi pior também em relação a uma pessoa em situação de sem-abrigo: “Não é urgente, a casa [uma ruína, sem portas e sem janelas] onde está nem é nada má.” 5 - Ao ouvir a responsável pela DGS, Dra. Graça Freitas, afirmar que “Agosto não é um bom mês para ter doenças, é a pior coisa que nos pode acontecer” percebi que estará a ler Aniquilação de Michele Houellebecq e identificar-se-á com as ideias de Paul: “Os hospitais não deviam ficar nas cidades, disse Paul para si mesmo, o ambiente no meio urbano é muito agitado, excessivamente saturado de projetos e de desejos, as cidades não são um bom lugar para morrer.”

    • 4 min
    De “Je suis Charlie” a “Je suis Karl”

    De “Je suis Charlie” a “Je suis Karl”

    O título Je Suis Karl remeteu-me para o ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, alvo de um ataque terrorista em 2015 que provocou 12 mortes e feriu, com gravidade, mais sete pessoas. Após este ataque, perpetuado por radicais islâmicos, em Paris, milhões de pessoas saíram para as ruas, a favor da liberdade de expressão, entoando a expressão Je Suis Charlie.

    Decidi, sem quaisquer expectativas, ver, na Netflix, o filme Je Suis Karl, dirigido pelo cineasta alemão Christian Schwochow. Um ataque terrorista, em Berlim, mata quase toda a família da adolescente Maxi. Revoltada, com a incapacidade da polícia de encontrar os culpados, acaba por aproximar-se de Karl, o líder carismático de um grupo de extrema-direita que prega a deportação dos imigrantes e uma Europa branca. O filme mostra-nos uma nova direita radical – Re / Generação – com uma mensagem apelativa, mais distante dos tradicionais neonazis, mas igualmente radical, perigosa, letal, liderada pela carismática líder Odile Duval. Com mensagens fortes, alimentando-se do medo, recrutam, catequizam e politizam jovens, capazes das maiores barbaridades, como poderá ver na longa-metragem, rodada em Berlin, Praga e Paris.
    Nem sempre a ficção e a realidade estão longe uma da outra. O novo partido de Éric Zemmour, em França, chama-se “RECONQUÊTE!” (RECONQUISTA). Por estes dias, o candidato presencial francês foi agredido em comício que acabou com espancamentos de militantes anti-racistas. O comício, que contou com mais de 12500 pessoas em êxtase, revelou um líder providencial, salvífico. O candidato deixou duas mensagens-chave:

    “Quando ganhar, será iniciada a reconquista do mais belo país do mundo.”

    “A imigração zero será um objetivo claro da nossa política.”

    Zemmour, a exemplo de outros populistas, por exemplo Donald Trump ou André Ventura, alimenta o seu discurso numa dialética entre amigos e inimigos e repete ad nauseam os medos que atormentam os franceses: do empobrecimento, do declínio da potência francesa, da destruição da escola, da grande substituição com a islamização da França, a imigração em massa e a insegurança permanente.
    De regresso ao mundo real, a Europa assiste, num estado de quase sonambulismo, ao avanço das forças radicais que encontram terreno fértil para fazer germinar as suas ideias nas sucessivas vagas migratórias, nas crescentes desigualdades sociais, nas medidas de controlo da pandemia…
    Elena Sevillano, correspondente do El País na Alemanha, relata: “Na Saxónia, o Estado alemão com menor taxa de vacinação e maior número de contágios da Alemanha, cresce a influência da extrema direita.” É possível que seja apenas uma coincidência, mas valerá a pena, caro leitor que decidiu não se vacinar, refletir sobre a sua opção. Durante muitos anos, sempre me foi incutida a ideia de que a minha liberdade termina quando coloca em causa a do outro e esta não se sobrepõe ao risco que poderá representar para a comunidade e para a saúde pública.
    Lorenzo Damiano, líder de um movimento anti-vacinas, em Itália, esteve uma semana internado nos cuidados intensivos com covid-19. Este iluminado, que criticava as medidas sanitárias e comparava quem se opunha às vacinas a vítimas do Holocausto, depois do internamento, mudou de opinião e, agora, apela à vacinação. Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje, por si, pela sua família, pelos seus amigos, pela comunidade, pela humanidade.
    Respeito, mas não compreendo que um grupo de cidadãos possa chamar assassino e genocida ao Almirante Gouveia e Melo. Igualmente aterrador é ouvir um jovem lusodescendente, no final do comício do senhor Zemmour, em língua portuguesa, dizer ao microfone de um canal noticioso português que o apoia porque a emigração, especialmente dos muçulmanos, tem que ser impedida.

    • 5 min

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