Nossa Poesia Poesias
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Nossa poesia é um podcast com o intuito de divulgar obras da poesia em domínio público.
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Noturno - Olavo Bilac
Noturno de Olavo Bilac por Gus
Já toda a terra adormece.
Sai um soluço da flor.
Rompe de tudo um rumor,
Leve como o de uma prece.
A tarde cai. Misterioso,
Geme entre os ramos o vento.
E há por todo o firmamento
Um anseio doloroso.
Áureo turíbulo imenso,
O ocaso em púrpuras arde,
E para a oração da tarde
Desfaz-se em rolos de incenso.
Moribundos e suaves,
O vento na asa conduz
O último raio da luz
E o último canto das aves.
E Deus, na altura infinita,
Abre a mão profunda e calma,
Em cuja profunda palma
Todo o Universo palpita.
Mas um barulho se eleva...
E , no páramo celeste,
A horda dos astros investe
Contra a muralha da treva.
As estrelas, salmodiando
O Peã sacro, a voar,
Enchem de cânticos o ar...
E vão passando... passando...
Agora, maior tristeza,
Silêncio agora mais fundo;
Dorme, num sono profundo,
Sem sonhos, a natureza.
A flor-da-noite abre o cálix...
E, soltos, os pirilampos
Cobrem a face dos campos,
Enchem o seio dos vales:
Trêfegos e alvoroçados,
Saltam, fantásticos Djins,
De entre as moitas de jasmins,
De entre os rosais perfumados.
Um deles pela janela
Entre no teu aposento,
E pára, plácido e atento,
Vendo-te, pálida e bela.
Chega ao teu cabelo fino,
Mete-se nele: e fulgura,
E arde nessa noite escura,
Como um astro pequenino.
E fica. Os outros lá fora
Deliram. Dormes... Feliz,
Não ouves o que ele diz,
Não ouves como ele chora...
Diz ele: “O poeta encerra
Uma noite, em si, mais triste
Que essa que, quando dormiste,
Velava a face da terra...
Os outros saem do meio
Das moitas cheias de flores:
Mas eu saí de entre as dores
Que ele tem dentro do seio.
Os outros a toda parte
Levam o vivo clarão,
E eu vim do seu coração
Só para ver-te e beijar-te.
Mandou-me sua alma louca,
Que a dor da ausência consome,
Saber se em sonho o seu nome
Brilha agora em tua boca!
Mandou-me ficar suspenso
Sobre o teu peito deserto,
Por contemplar de mais perto
Todo esse deserto imenso!”
Isso diz o pirilampo...
Anda lá fora um rumor
De asas rufladas... A flor
Desperta, desperta o campo...
Todos os outros, prevendo
Que vinha o dia, partiram,
Todos os outros fugiram...
Só ele fica gemendo.
Fica, ansioso e sozinho,
Sobre o teu sono pairando...
E apenas, a luz fechando,
Volve de novo ao seu ninho,
Quando vê, inda não farto
De te ver e de te amar,
Que o sol descerras do olhar,
E o dia nasce em teu quarto...
Edição por Felipe Xavier -
Amiga - Florbela Espanca
Amiga de Florbela Espanca por Mell
Deixa-me ser a tua amiga, Amor;
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.
Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!
Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...
Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei pra minha boca!...
Edição por Felipe Xavier -
O NAVIO NEGREIRO - Castro Alves
O NAVIO NEGREIRO de Castro Alves por Mell
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
Confira a poesia completa em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000068.pdf
Edição por Felipe Xavier -
Árvores do Alentejo - Florbela Espanca
Árvores do Alentejo de Florbela Espanca por Gus
Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!
E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
Edição por Felipe Xavier -
Seus Olhos - Gonçalves
Seus Olhos de Gonçalves Dias por Mell
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Quebrando a solidão.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.
São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranquilos,
Às vezes vulcão!
Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece
Me fazem chorar.
Assim lindo infante, que dorme tranquilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.
Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co’um véu.
Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram sem causa
Um pranto sem dor.
Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia.
Com tanto pudor.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.
Edição por Felipe Xavier -
Minha culpa - Florbela Espanca
Minha Culpa de Florbela Espanca por Mell
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...
Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...
Edição por Felipe Xavier