poesia quase todo dia eduardo furbino
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este é o poesia quase todo dia, um podcast onde te entrego poesias e prosas curtas escritas por mim, eduardo furbino, um escritor & artista visual mineiro que vive em são paulo. vez ou outra, leio também textos de pessoas que me inspiram. veja mais poemas no instagram: @edufurbino
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você não
você não é um desses poemas confessionais que a gente escreve para exorcizar a figura de alguém, mesmo que o rosto desse alguém seja feito de muitas caras. é também um texto de reencontro, que leva o eu lírico para mais próximo da certeza de que ele se basta.
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fio de corte
fio de corte é um poema inspirado em “tenho quebrado copos”, da ana martins marques, publicado em seu livro das semelhanças. não tão inspirado assim, mas um pouco… especialmente a frase de abertura, que espelha a declaração inicial de ana em seu poema.
espero que você curta e que compartilhe com as pessoas de quem você gosta, me ajudando a fazer o podcast crescer :)
estou cansado de amolar facas
apontar o gume para o pescoço
ameaçar a garganta para que nenhuma palavra saia
cansado de esmurrar pontas e portas
me comporto no mundo com uma violência antiga
os músculos me bebem a vida
meu queixo é uma taça angulada
queria transbordar afogar as narinas
abafar os ouvidos com água
sou uma mera pedra de amolar espadas
esmerilho meu rosto nas ruas entre a meia noite e as seis
de testemunha: nada, um cão, a lua
a carta nove do baralho de adivinhar coisas
(chamar as coisas pelo nome às vezes traz muito azar
meu nome verdadeiro guardo em perfeito silêncio)
há um fino risco se formando entre minhas têmporas
a pedra angular da qual é feito um homem
é o abandono da delicadeza
qualquer lâmina seria capaz de nos matar
estou cansado de amolar facas
às vezes faço da minha pele um fio de corte
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maio
recentemente migrei meu podcast para o substack. antes, ele era hospedado pelo spotify. manter meus textos e áudios sob o mesmo teto vai facilitar muito minha vida, permitindo que eu grave episódios com mais frequência. então, se prepare para o que está por vir :)
para dar início, estou te enviando hoje maio, um de dois poemas que escrevi abordando o desejo e, mais do que isso, as dificuldades do desejo. esses dois textos foram feitos para a mesma personagem.
maio é um poema pelo qual tenho grande carinho, devido às circunstâncias que o inspiraram e as referências que carrega. foi escrito quando eu terminava de ler paixão simples e o jovem da annie ernaux (motivo pelo qual há uma referência a “maio de 68” aqui).
como o envio de episódios de podcasts por email ainda é algo novo para mim, responda abaixo o que acha da ideia e me ajude a evoluir esse formato. quero fazer algo que faça sentido para mim e para você :)
você me diz que ninguém nunca prestou atenção na sua fome eu te respondo com a mão sobre o ventre: eu te devoraria, mas não o alimento aos outros só sei dar meus restos assumo uma postura altiva e esguia estamos numa dança embora não pareça (uma dança é uma repetição de pés mas aqui pisamos tudo pela primeira vez) é maio de 1968 a vida é um massacre é manhã de abril no brasil de 64 e ainda é possível ser feliz por mais um minuto certas vezes tenho vontade de te contar sobre o que não amo de te apresentar um diário não do que odeio mas do que nunca cheguei a gostar muitas vezes gostaria de escrever seu nome ali mas faltam páginas reguei a terra com seu suor para que eros pudesse renascer como uma flor certas flores são comestíveis nos diz este documentário na tv algumas delas com a boca o alimento da vida são outras vidas você ainda tem fome e entende que estar satisfeito é uma dádiva sim, talvez mas é também uma maldição para aquilo que se come é aqui que fica claro o que quero eu te devoraria para te dar assim a chance de me dar o troco ao se lembrar de mim e amaldiçoar meu nome
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transatlântico
este é "transatlântico":
de bruços e de quatro muita coisa foi feita
(partir depois da meia-noite é um parto antinatural
quem já ficou até tão tarde não tem razão para ir
o calabouço que é uma cama vazia
meu deus)
eu preferiria mil vezes nunca ter me deitado
nem ter te dado aquele dedo para chupar
preferiria que esses lençóis acetinados
não tivessem experimentado seu suor e seu gozo
que minhas coxas não conhecessem seu toque
para que reconhecê-lo não tivesse se tornado um fardo
de costas e de lado esse mundo foi criado
o nosso mundo
quatro paredes e ar rarefeito
ali está seu peito aberto para que sobre ele eu passe altivo
um fodido um rascunho limitado de homem
e ainda assim um homem que te dobra e derrete
que dança sobre seus ombros feito uma labareda solar
você tem na barriga o vulto da fome
mas não a sente
tem sobre a pele escamas de serpente
mas não as conquista
carrega no bico do peito o termômetro do mundo
mas nunca o usa
quando falávamos sobre aquele filme
quando minha mão estava entre suas pernas
e minha boca engolia suas pequenas mortes
uma a uma
ali você deveria ter me deixado
ali deveria ter me dito
é aqui que fico
é por isso que tenho esperado
é onde me sei inteira que me sinto viva
e para não me partir eu parto
eu te amei feito uma besta ancestral
sim e foda-se
você me amou como uma montanha a um vale
um gato à ausência
uma velha carpideira ao momento em que a morte
a faz desfiar sua crença
e nada disso importa
o tanto que a gente se gosta
dane-se
é precisamente o amor o que te ensina
a se despir de mim para se vestir da pele que é sua
(uma pele com aquelas escamas de serpente)
sim,
eu ainda te levaria à planície do quarto
chapiscaria as paredes com seu nome
e onde quer que não me ocupasse de você
entoaria uma oração ao tempo
para que minhas horas tivessem de novo o ritmo do seu fôlego
e onde nos encontrássemos seria ali
e em nenhum outro lugar
o eixo do nosso mundo
a linha imaginária de um trópico de capricórnio
que cruza com violência uma praia vazia e ensolarada
no rio de onde você vem
no rio que te deu a vida desembocam minhas águas
é onde somos por instantes uma mistura líquida
até que a física da distância nos dilua num atlântico
onde nos reencontramos embarcados
nas nossas vontades
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dois corpos
este é "dois corpos", um poema sobre a ambiguidade de estar vivo:
tenho dois corpos:
um falso, um verdadeiro;
tenho dois corpos e
nenhum deles inteiro
metade de mim é pura mentira:
o passado, a infância, a mãe;
metade de mim, tudo verdade:
o futuro, a velhice, o irmão;
e há ainda uma terceira metade
nessa conta tão equivocada
onde a soma sabe-se menos que nada
e o dividendo é a fração de um pai
tenho dois corpos:
um físico que não quantifico
outro sujeito à gravidade da lei
tenho dois corpos:
um desenhado na areia
outro entalhado no barro
tenho dois corpos:
um que se sabe nomear muito bem
outro que ainda me pergunta
qual é mesmo o nome que tem
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se não escrevo, não estou vivo
este é "se não escrevo, não estou vivo", um poema sobre escrever e fazer-se vivo:
se não escrevo não estou vivo
um dia hei de ser feliz de novo
se não escrevo se não dobro a caneta
se o lápis não me é na mão
um pedaço pré-histórico de magma
não estou vivo não respiro
e como consequência surge no olho o vermelho do sangue
onde não há sangue não há vermelho
nas terras em que brincávamos achávamos sangue no chão
na cor do barro no solo úmido
por onde passavam tratores amarelos
com dentes escavando escavando escavando
até que do mundo só se visse o osso
enterrado como raiz de montanha
a montanha é o primeiro parágrafo de deus
onde começa a história e jaz a sombra do primeiro homem
queria uma caneta capaz de reescrever o gênesis
onde me mataria como um irmão mata a um irmão
por inveja da carne e ojeriza à rejeição
pela saudade de um amor filial que ainda não se foi
hei sim de ser feliz como antes
como quando a noite ainda não tinha se dividido em duas
e o dia era menos que uma ideia
como quando a vida era pergunta:
“e se houvesse algo tão belo
cuja mera ideia de perdê-lo
o fizesse partir?”
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