"A Cidade e as Serras", Capítulo XI, de Eça de Queirós

Audiolivros em português

Capítulo XI, em audiolivro, do romance “A Cidade e as Serras” de Eça de Queirós.

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“A Cidade e as Serras” é um desenvolvimento do conto “Civilização”, cuja publicação em livro ocorreu em 1901, já depois da morte do autor. No romance é relatada a história de Jacinto, tendo como narrador José Fernandes, um amigo fraternal. Jacinto nasceu e viveu toda a sua vida num palácio dos Campos Elísios, em Paris. Apesar de rodeado de conhecimento, de tecnologia e de luxo, vive aborrecido e decide regressar a Tormes, na região do Douro.

TRANSCRIÇÃO

XI

No dia que seguiu estas largas caridades recolhi a Guiães. E, desde então, tantas vezes trotei por aquelas três léguas entre a nossa e a velha alameda dos Jacintos, que a minha égua, quando a desviava dessa estrada familiar, conduzindo-a a uma cavalariça familiar (onde ela privava com o garrano do Melchior), relinchava de pura saudade. Até a tia Vicência se mostrava vagamente ciumenta daquela Tormes, para onde eu sempre corria, daquele Príncipe de quem incessantemente celebrava o rejuvenescimento, a caridade, os pitéus, e as quimeras agrícolas. Já um dia com um grão de sal e de ironia, o único que cabia num coração todo cheio de inocência, ela me dissera, movendo com mais vivacidade as agulhas da sua meia:

— Olha que te podes gabar! Até me tens feito curiosidade de conhecer esse Jacinto… Traze cá essa maravilha, menino!

Eu rira:

— Sossegue, tia Vicência, que o trago agora, para o dia dos meus anos, a jantar… Damos uma festa, haverá um bailarico no pátio, e vem aí toda essa senhorama dos arredores e até talvez se arranje uma noiva para o Jacinto.

E eu, com efeito, já convidara o meu Príncipe para este «natalício». E de resto, convinha que o senhor de Tormes conhecesse todos aqueles senhores das boas casas da serra… Sobretudo, como eu lhe dizia rindo, convinha que ele conhecesse algumas mulheres, algumas daquelas fortes raparigas dos solares da serra, porque Tormes tinha uma solidão muito monástica, e o homem, sem um pouco do Eterno Feminino, facilmente se enrudece e ganha uma casca áspera como a das árvores, na solidão.

— E esta Tormes, Jacinto, esta tua reconciliação com a Natureza, e o renunciamento às mentiras da Civilização é uma linda história… Mas, caramba, há aqui falta de mulheres!

Ele concordava, rindo, languidamente estendido na cadeira de vime:

— Com efeito, há aqui falta de mulher, com M grande. Mas essas senhoras aí das casas dos arredores… Não sei, mas estou pensando que se devem parecer com legumes. Sãs, nutritivas, excelentes para a panela — mas, enfim, legumes. As mulheres que os poetas comparam às flores são sempre as mulheres das cortes, das capitais, onde invariavelmente, desde Hesíodo e desde Horácio, se rendem os poetas… E evidentemente não há perfume, nem graça, nem elegância, nem requinte, numa cenoura ou numa couve… Não devem ser interessantes as senhoras da minha serra.

— Eu te digo… A tua vizinha mais chegada, a filha do D. Teotónio, com efeito, salvo o respeito que se deve à casa ilustre dos Barbedos, é um mostrengo! A irmã dos Albergarias, da Quinta da Loja, também não tentaria nem mesmo o precisado Santo Antão. Sobretudo se se despisse, porque é um espinafre infernal! Essa realmente é legume, e nem é nutritivo.

— Não! O espinafre, legume purgativo.

— Temos também a D. Beatriz Veloso… Essa é bonita… Mas, menino, que horrivelmente bem-falante! Fala como as heroínas do Camilo. Tu nunca leste o Camilo. E depois, um tom de voz que te não sei descrever, o tom com que se fala em D. Maria, em peças de sentimento. Tu nunca viste o Teatro de D. Ma

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