Viciados em dopamina — com Michel Alcoforado
Após um longo dia de trabalho mandando e-mail, escrevendo roteiro, aprovando edições, fazendo reunião, enfim, olhando para uma tela, nada melhor para relaxar do que… olhar para mais telas! Pode ser na TV, mas provavelmente no telefone. E muitas vezes no mesmo computador que trabalhei o dia todo, só que agora jogando. Tá, eu sei. Não precisa ser assim. Eu posso ler um livro, fazer… sei lá, artesanato? Só que eu não sei você, eu não consigo. Não dá. A cabeça não consegue focar, é que nada tem graça, é tudo um grande tédio. E quando a gente está com tédio, por menor que seja, faz o quê? Tira o telefone do bolso! Nem futebol eu consigo mais ver direito. Quem tem tempo de ver noventa minutos de pessoas correndo atrás de uma bola. Fora os intervalos! Como assim, intervalo? O resultado é que eu e muita gente acaba fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo. Olha para TV e para o telefone. Joga alguma coisa ouvindo podcast. (Eu sei que você está fazendo outra coisa enquanto ouve esse podcast aqui, tudo bem.) Será que a gente está viciado em dopamina? Segundo o crítico cultural americano Ted Gioia, em um artigo que ele publicou em fevereiro, a cultura mundial passou séculos produzindo arte, a criação pela criação em si, para agradar a Deus — ou o nobre que pagou as contas. Em algum ponto do século XX esta arte passou a ser entretenimento, precisou ser divertida, interessante. Foi mais ou menos nessa época, por exemplo, que a política mundial mudou e a gente passou a votar nos políticos mais carismáticos, que iam bem na TV, especialmente em debates. Até aí tudo bem! Quem não gosta de um filminho ou série divertida? O problema, segundo o Gioia, é que na hora que o controle da cultura sai de empresas de mídia e vai para empresas de tecnologia, o grande negócio, o big business passa a ser a distração. Aquelas coisas que a gente consome "só para passar o tempo". Só para dar uma risada, ou para ver que fofinho aquele cachorro. Não existe história, não existe arte, nem conversa, nem sentimento, só há reação, estímulo e conteúdo, essa palavra que nivela toda a produção cultural por baixo. Somos criadores de conteúdo, eu, o Luva de Pedreiro ou o Martin Scorsese. Se os “patronos das artes”, dos Medici de Florença aos Moreira Salles do Brasil eram admirados por usar sua fortuna em nome da arte, os bilionários de hoje são idolatrados pelo simples fato de serem ricos. Porque geraram valor, inventaram aplicativos e empresas que faturam bilhões. Não precisa de arte. E o melhor jeito de fazer isso é otimizando seus aplicativos para que a gente passe cada vez mais tempo neles, com constantes doses de dopamina, um neurotransmissor importante para nossa sobrevivência, mas que hoje nos deixa viciados em conteúdo vazio. Só tem um problema de falar nisso aqui. Se tem uma coisa que eu odeio é ser o cara do "antigamente é que era bom". Até porque não era. A TV tinha muita porcaria, a sociedade era muito mais cruel com quem não nasceu na família certa e por aí vai. Eu não quero ser o saudosista chato nem o podcaster que chega com uma lista de reclamações para mostrar como o mundo todo está errado. Porque isso também é parte da indústria de distração atual: usar nossos medos e vieses para gerar mais clicks, mais views. Por isso chamei para conversar esta semana o Michel Alcofrado, antropólogo e pesquisador de comportamento e cultura — tanto é que ele tem um podcast chamado É tudo culpa da cultura, além de ser palestrante, comentarista da rádio CBN, colunista do Uol e fundador do Grupo Consumoteca. Ele me ajudou muito a entender esse cenário atual, o que é verdade, o que é só exagero e o que é melhor eu só deixar acontecer. Além de tudo isso, o Michel também é o cara que me ajudou, no dia da entrevista, a arrumar na minha cabeça a nova novidade das Indústrias Boa Noite Internet, o nosso Clube de Cultura! Pois é. Funciona assim: todo mês a gente