Cancro: Quão importante é a palavra esperança? Susana Almeida

Pergunta Simples

Oficialmente é médica psiquiatra.

Na prática, é uma ouvidora profissional ajudando pessoas a quem foi diagnosticado cancro. Ouve doentes, famílias e profissionais que tratam esta doença no IPO do Porto.

Susana Almeida dirige o serviço de psiquiatria deste hospital.

Mas de facto é uma especialista em transformar dor em narrativa, sofrimento em resiliência e perda em oportunidade de crescimento.

No seu dia-a-dia aprendeu que a “A nossa cara diz muito sobre nós”, explicando que o trabalho de um psiquiatra começa antes mesmo de o doente nem sequer abrir a boca.

É no detalhe que Susana encontra o primeiro capítulo de cada história. O olhar desviado, a hesitação ao caminhar, a escolha das palavras — tudo é revelador.

Voltamos à observação da linguagem não verbal. Onde o gesto fala. E diz coisas que aa pessoas não conseguem colocar em palavras.

É como se a palavra angústia estivesse em cada trejeito, tremura ou olhar vago.

Claro, há o gesto e a palavra. Mas comunicar é também não comunicar.

Explico-me: o não dito é uma forma de dizer.

O desafio de Susana Almeida não é apenas escutar o que é dito, mas decifrar o que fica por dizer. A sua experiência diz-lhe que o confronto com uma doença grave é, muitas vezes, um momento de balanço.

O momento da nostalgia do que poderíamos ter sido. O confronto com as escolhas da vida. Porque escolhi ser isto e não aquilo. Porque decidi estar com esta pessoa e não outra. Ou nenhuma.

Perguntas sem resposta apaziguadora. E sem tempo para reviver.

Depois há o confronto com o corpo. Com a possível ou real mutilação.

Com o impacto no lar.

Ouvi a história de uma mulher que recusava a ideia de ter de tirar uma mama porque os seios eram parte fundamental e inegociável da sua identidade pessoal.

Mas este episódio não é só dor.

É uma conversa carregada de energia e esperança.

De pacificação, crescimento e possibilidade.

Bem-vindos à discussão milenar da condição humana.

Vale ouvir. Vale partilhar.

A luta contra as grandes adversidades recolhe forças nos dias bons.

Nos dias que passaram, nos dias que hão de vir.

A alegria de um momento robusto de afetos funciona sempre como uma bateria. E as esperança do melhor como dínamo de energia.

Vale sempre ouvir. Vale falar. Vale ser humano. Na mais universal das definições.

RESUMO

No Instituto Português Oncologia do Porto, num gabinete repleto de histórias não contadas, a psiquiatra Susana Almeida enfrenta diariamente as fragilidades da condição humana. Diretora do serviço de Psiquiatria, Susana Almeida é especialista em transformar dor em narrativa, sofrimento em resiliência e perda em oportunidade de crescimento. “A nossa cara diz muito sobre nós”, começa por explicar, sublinhando que o trabalho de um psiquiatra começa antes mesmo de o doente abrir a boca.

É no detalhe que Susana encontra o primeiro capítulo de cada história. O olhar desviado, a hesitação ao caminhar, a escolha das palavras — tudo é revelador. “A observação do não verbal é essencial. Como alguém chega à consulta pode dizer mais do que qualquer exame.” No IPO, onde os doentes frequentemente enfrentam diagnósticos de cancro, estes sinais tornam-se ainda mais importantes. “Muitas vezes, as pessoas não conseguem verbalizar a angústia, mas ela está lá, evidente nos gestos e na postura.”

O desafio de Susana não é apenas escutar o que é dito, mas decifrar o que fica por dizer. A sua experiência diz-lhe que o confronto com uma doença grave é, muitas vezes, um momento de balanço. “Há quem se foque no presente, mas muitos são assombrados pela nostalgia do que poderia ter sido. Escolhas que não fizeram, caminhos que não tomaram, relações que não cultivaram. É como se o tempo parasse num passado idealizado, mas a verdade é que o que não foi vivido não é garantia de nada melhor.

Entre os relatos que marcaram o seu percurso, Susana recorda uma paciente que recusava a ideia de uma mastectomia. “Ela dizia: ‘As minhas mamas são parte crítica da minha identidade.’ Cada pessoa atribui valor ao corpo de forma única, e o papel do médico é ajudá-la a reconstruir essa relação consigo mesma.” Este apoio vai além da saúde física — trata-se de restaurar um sentido de identidade e dignidade.

Mas e quando a saúde mental de um doente colide com a dinâmica do lar? Susana explica que as relações, tal como os corpos, sofrem transformações sob o peso da doença. “Se o casal já tem uma boa comunicação, é mais fácil enfrentar os desafios juntos. Mas, se há lacunas ou tensões, estas tornam-se evidentes.” Em muitos casos, Susana convida os parceiros para as consultas, criando um espaço seguro para as dificuldades poderem ser discutidas. “A ideia é encontrar novas formas de conexão e intimidade. Muitas vezes, é um momento de reconstrução para ambos.”

Há um fio condutor que atravessa o trabalho da psiquiatra: a esperança. “A esperança é uma força motriz épica. Nunca devemos castrá-la”, afirma com a convicção de quem já viu o pior e o melhor da natureza humana. Mesmo em cenários de prognósticos difíceis, a escolha das palavras faz toda a diferença. “Não se trata de pintar um cenário irreal, mas de mostrar que, mesmo num contexto difícil, há caminhos a explorar. As palavras têm peso, e o tom certo pode ser decisivo.

No entanto, este equilíbrio entre realismo e esperança exige muito dos profissionais de saúde. “Os médicos mais motivados são, muitas vezes, os mais vulneráveis ao ‘burnout’. Têm uma enorme disponibilidade emocional e acabam por negligenciar o auto cuidado.” No IPO, há mecanismos de suporte para a equipa de psiquiatria, incluindo supervisões regulares. “Precisamos de espaços para refletir, validar o que fazemos e apoiar-nos mutuamente.”

Quando lhe pergunto como encontra forças para lidar com tanto sofrimento, Susana sorri. “O que me move são as pequenas vitórias. Ver que um doente conseguiu voltar a jantar com a família ou que encontrou paz num momento de caos é o que me valida.

TÓPICOS & CAPÍTULOS

[00:00] Introdução ao Tema da Comunicação em Momentos de Dor
O episódio aborda a importância da comunicação em momentos de dor extrema e vulnerabilidade, especialmente em situações de diagnóstico de doenças graves, como o câncer.

[00:12] Apresentação de Susana Almeida
Susana Almeida, médica psiquiatra e ouvidora profissional, fala sobre a sua experiência em ajudar doentes diagnosticados com cancro e as suas famílias.

[00:46] A Linguagem Não Verbal na Psiquiatria
A importância da observação da linguagem não verbal e como os psiquiatras interpretam sinais antes mesmo do doente falar.

[01:46] O Confronto com a Doença e a Identidade
Discussão sobre como a doença pode levar a reflexões sobre escolhas de vida e a identidade pessoal, incluindo a resistência e superação.

[03:01] A Comunicação em Casais Durante a Doença
Como a comunicação entre casais pode ser afetada por diagnósticos de doenças graves e a importância de abrir diálogos sobre intimidade.

[04:50] A Importância da Observação no Atendimento Psiquiátrico
A prática de observar o comportamento e a aparência dos doentes como uma ferramenta diagnóstica.

[06:34] A Coerência entre Verbal e Não Verbal
A busca por coerência entre o que é dito e o que é comunicado através da linguagem não verbal.

[09:04] O Papel do Psiquiatra no Acompanhamento de doentes com Câncer
Como os psiquiatras auxiliam os doentes a lidar com o medo e a imprevisibilidade da doença.

[10:24] Nostalgia e Reflexão sobre Escolhas de Vida
A ideia de nostalgia em relação ao que poderia ter sido, especialmente em momentos de crise.

[12:44] A Comunicação sobre Mutilações e Identidade
Discussão sobre como as mutilações afetam a identidade e a sexualidade, e como isso é abordado em casa.

[14:12] Abertura de Diálogo em Casais
A importância de ter um histórico de boa comunicação para lidar com questões difíceis.

[16:09] Consultas com Parceiros
A prática de incluir parceiros nas consultas para facilitar a comunicação e o apoio mútuo.

[19:57] A Superação de Mutilações e a Relação
Como casais podem encontrar novas formas de intimidade após uma mutilação.

[22:31] O Impacto da Doença nas Relações
Reflexão sobre como a doença pode revelar fragilidades nas relações e levar a separações.

[25:57] Crescimento Pessoal Após a Doença
A ideia de crescimento pós-traumático e como as pessoas se reavaliam após experiências difíceis.

[27:51] A Conversa sobre a Morte
A dificuldade de abordar a morte e como isso varia entre culturas.

[30:06] A Importância da Comunicação Clara
A necessidade de uma comunicação clara e sensível sobre a morte e o tratamento.

[32:35] O Cuidado Pessoal dos Profissionais de Saúde
A importância do auto cuidado para os profissionais de saúde e como eles lidam com a carga emocional do trabalho.

[35:25] O Luto dos Profissionais de Saúde
A necessidade de processar a perda de doentes e o suporte entre colegas.

[39:39] A Responsabilidade dos Profissionais de Saúde
A importância de cuidar de si para poder cuidar dos

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