'Antes de me assumir criei perfil fake em bate-papo. Hoje namoro, mas meu fake ainda entra em apps'

Desculpa o Transtorno

“Sou um homem gay, tenho 30 anos, um relacionamento sólido e um segredo do qual é a primeira vez que comento com alguém. Meu segredo se chama Pedro! Quando tinha por volta de 16 anos e ainda não era assumido, entrava nas salas de bate-papo para conversar com outros caras. No meu primeiro acesso, precisava de um apelido, e foi aí que Pedro apareceu. O tempo foi passando e eu me assumi para minha família. Com a evolução da tecnologia, as salas de bate papo deram espaço para aplicaticos de encontro com várias finalidades, desde relacionamento sério até sexo casual. Nos aplicativos de relacionamento eu era eu mesmo, nome de batismo e foto de perfil. Nos aplicativos de sexo casual era misto! Quando entrava na intenção de encontrar alguém pessoalmente era eu, quando entrava na intenção de manter online ou falar apenas via webcam, eu era Pedro. Ao contrário de mim, Pedro nunca teve rosto, era apenas um corpo em frente a uma tela ou em uma foto/vídeo. (...) Pedro sumiu aos poucos, até que, aos meus 22 anos, eu entrei em um relacionamento que estava durando.Um ano, dois anos, perto do terceiro ano de relacionamento, eu já com 25 anos, nós estávamos estremecidos, e então, veio a vontade de ficar com outras pessoas. Ao mesmo tempo, não queria trair meu namorado… Então, um dia, o Pedro voltou. Fizemos um teste: ele entrou numa sala de bate papo, conversou com caras, se aliviou pela webcam vendo outros corpos e foi embora. E eu depois, nada! Sem remorso, sem culpa, sem ressentimento. Racionalmente sabia que tinha traído, ainda sei.(...) Mas sentimentalmente eu não sinto nada, absolutamente nada. Hoje, aos 30, eu sou feliz, meu namorado é um cara incrível e muito bacana. Não tenho vontade de sair com outras pessoas, mas Pedro nunca mais foi embora. Nesse meio tempo o Pedro evoluiu. Ele vem, faz o que tem que fazer na webcam da vida dos outros Pedros e vai embora. O Pedro hoje tem roupa, uma roupa que eu mesmo nunca uso, só fica pendurada no armário para quando ele aparecer. Algumas épocas ele vem uma vez por mês, às vezes uma vez por semana. Não consigo determinar exatamente em que épocas da minha vida o Pedro aparece mais. Mas ele sempre aparece. Será que eu consigo parar ou devo parar o Pedro?”

Neuras cotidianas e manias serão assunto das conversas entre a escritora Tati Bernardi e o psicanalista Christian Dunker, às segundas-feiras em Universa. Quer participar? Tati e Christian vão receber as histórias pelo e-mail desculpaotranstorno@bol.com.br e debatê-las a partir do olhar da psicanálise --ele é psicanalista, e ela, estudante desse campo que investiga a mente humana.

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