Poético - descobrindo o literário nos textos das Ciências Sociais. Episódio 2 - Tristes Trópicos, Claude Lévi-Strauss
Poético - descobrindo o literário nos textos das Ciências Sociais. Episódio 2 - Tristes Trópicos, Claude Lévi-Strauss (Bruxelas, 28 de novembro de 1908 - Paris, 30 de outubro de 2009)
Poético - descobrindo o literário nos textos das Ciências Sociais é mais um projeto do PET Sociais, que tem a intenção de levar ao conhecimento público aspectos das obras de autores das áreas de Sociologia, Antropologia e Ciência Política de uma forma diferente.
Através de Podcasts, que serão lançados no Spotify, apresentaremos trechos da literatura acadêmica com reflexões atuais, exaltando a riqueza lírica das obras, de forma dinâmica.
Para o segundo episódio da série Poético traremos o antropólogo Claude Levi-Strauss e uma de suas grandes obras, "Tristes Trópicos".
Vinheta: Adios Nonino, Astor Piazzolla. Voz: Adalberto Paranhos, nosso queridíssimo professor, a quem agradecemos imensamente.
Biografia Levi-Strauss: Maria Eduarda Martins. Voz: Lauene Pimentel
Tristes Trópicos:
Voz: Luciana Martins
Música: Etude Op. 10 No. 3 (Tristesse), Chopin
Edição: Emilio Andrade, Júlia Almeida, David Almeida e Laryssa Damiana
Produção: Grupo PET Sociais da Universidade Federal de Uberlândia
"Sobretudo, interrogamo-nos: que viemos fazer aqui? Com que esperança? Com que fim? Que é, realmente, um inquérito etnográfico? O exercício normal de uma profissão como as outras, com esta única diferença a de que o escritório ou o laboratório estão separados do domicílio por alguns milhares de quilômetros? Ou a consequência de uma escolha mais radical, implicando o reexame do sistema em que se nasceu e no qual se cresceu? Eu deixara a França há quase cinco anos, abandonara minha carreira universitária; durante esse tempo, meus condiscípulos mais avisados eram promovidos; os que, como eu outrora, se tinham inclinado pela política, eram hoje deputados, logo seriam ministros. E eu corria os desertos, perseguindo os rebotalhos da humanidade. Quem ou o que me havia, então, feito desviar do curso normal de minha vida? Era um ardil, um hábil rodeio, destinados a me permitir a reintegração na minha carreira com as vantagens suplementares que me seriam concedidas? Ou minha decisão exprimia uma incompatibilidade profunda com o meu grupo social, do qual, acontecesse o que acontecesse, eu estava destinado a viver cada vez mais isolado? Por um singular paradoxo, em lugar de me abrir um novo universo, minha vida aventurosa antes me restituía o antigo, enquanto aquele que eu pretendera se dissolvia entre os meus dedos. Quanto mais os homens e as paisagens a cuja conquista eu partira perdiam, ao possuí-los, a significação que eu deles esperava, mais essas imagens decepcionantes ainda que presentes eram substituídas por outras, postas em reserva por meu passado e as quais eu não dera nenhum valor quando ainda pertenciam a realidade que me rodeava. Em viagem por extensões que poucos olhares tinham contemplado, partilhando da existência de povos cuja miséria era o preço – pago por eles, em primeiro lugar – do meu regresso ao curso dos milênios, eu já não percebia nem uns, nem outros, mas visões fugitivas do campo francês, que eu negara a mim mesmo, ou fragmentos de música e de poesia que eram a expressão mais convencional de uma civilização contra a qual eu optara, tinha de reconhecê-lo, ou correr o risco de desmentir o sentido que havia dado à minha vida. Durante semanas, nesse planalto do Mato Grosso ocidental, sentira-me obsessionado, não pelo que me rodeava e que eu jamais reveria, mas por uma melodia repisada que minha lembrança ainda mais empobrecida: a do estudo número 3, opus 10, de Chopin, em que me parecia, por uma derrisão a cujo amargor eu era também sensível, resumir-se tudo o que eu deixara para trás.”
(LÉVI-STRAUSS, 1957, p. 402-403)
Produção: Grupo PET Sociais da Universidade Federal de Uberlândi
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- Published22 June 2021 at 17:35 UTC
- Length8 min
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