A cena foi a mesma. No Rio de Janeiro e em São Paulo. Funcionários da Globo se aglomerando na saída da emissora. E aplaudiram muito, emocionados, quando ele surgiu pela última vez, para ir embora. Era o reconhecimento ao talento, à parceria, à generosidade, e um sutil protesto contra a falta de competência da emissora para manter seu excelente narrador. Ele não esperava. Os olhos marejados, o sorriso que misturava constrangimento com alegria pelo reconhecimento. Foi o fim de 19 anos transmitindo futebol, natação, basquete, vôlei, o que a escala mostrasse. Os bordões 'que fase', 'olha a batiiiida', 'agora eu 'se' consagro' tinham um significado diferente, triste. Inteligente, aprendeu com seu humor inteligente a 'segurar' o fanático por futebol, a esposa desse torcedor, o filho, a mãe. 'Sabia tudo de novelas a chavões de programas humorísticos. O segredo é a pessoa que assiste se integrar. Porque nunca se sabe quem é o 'dono' do controle remoto. Minha narração sempre atingiu a todos em uma família.' Com o Rio de Janeiro dominando todas as decisões do esporte, quem mora na Cidade Maravilhosa passou a ser muito mais valorizado do que os que vivem em São Paulo. E Milton Leite desprotegido politicamente, perdeu injusto espaço. Tinha contrato em vigor, ganhava 'muito bem', mas tomou a decisão que poucos tiveram coragem na história. "Com todo respeito, vi que narradores com menos potencial estavam ocupando espaços maiores do que eu. Sei do meu valor. Não iria ficar encostado ganhando alto salário para fazer coisas menores, que fiz no início da carreira. Pedi para ir embora em janeiro de 2024. Me pediram para fazer a Olimpíada. Fiz, com toda a minha dedicação. E fui embora orgulhoso da minha trajetória. "Se eu fui injustiçado? Se eu deveria ter feito mais TV Globo? Não sou eu quem tenho de responder essas perguntas. Fiz várias transmissões na tevê aberta. Mas o Sportv foi minha casa. E me dediquei de corpo e alma onde estive." Milton se comunica de forma brilhante. Foi moldado no jornalismo impresso, em Jundiaí. Depois no tradicional O Estado de S. Paulo. Ganhou versatilidade, fluência, carisma na rádio Jovem Pan. Comandou por anos o programa Show da Manhã. De lá, começou a narrar na extinta Jovem Pan TV. Descoberto pela ESPN/Brasil, fez história. De lá, Globo. Olimpíadas, Copas do Mundo, final de Champions. Apresentador de programas. Fez de tudo. E com excelência. Aos 66 anos, a voz continua impressionante, a mesma. O raciocínio veloz, mistura inteligência e ironia como poucos. Ainda bem que a frase que ele consagrou, quando Ronaldo marcou o primeiro gol pelo Corinthians, pode ser usada com Milton Leite. "Senhoras e senhores, o Fenômeno voltou". Milton está narrando de volta. "O UOL me chamou e estou ao lado de grandes companheiros, Juca Kfouri, José Trajano, Casagrande. É para o Paulista. Estou adorando. Porque tenho ficado mais tempo com minha família. Minha mulher que sempre me apoiou, meus filhos e meus netos. Estou até aprendendo a tocar bateria." Milton Leite não pode ficar fora do cenário esportivo deste país. Sua trajetória não acabou. Sorte para quem ama esporte transmitido com carisma, precisão, bom humor e enorme personalidade. Os 'donos do controle remoto' agradecem ao céus pela volta de Milton Leite...