Na campanha eleitoral para as eleições legislativas do ano passado, Miguel Arruda, candidato pelas listas do Chega nos Açores, defendia o aumento da capacidade de cadeia para que a “limpeza” do país prometida pelo seu partido pudesse acontecer. Passado um ano, a exigência feita pelo agora deputado açoriano parece ter acontecido em defesa de um interesse pessoal. Vejamos porquê: se as suspeitas da polícia se confirmarem, Miguel Arruda terá cometido vários roubos de malas, ao longo de meses, nos tapetes do aeroporto de Lisboa. O PÚBLICO noticiava até que, depois de as buscas das polícias terem encontrado as malas roubadas, bem como parte dos seus recheios na sua casa de Lisboa, o deputado terá até confessado a autoria do crime. Assim sendo, sempre terá uma cadeia com espaço para o acolher, do que outra sem grandes condições de conforto. O caso de Arruda não é novo, mas serve sempre para expor os limites do discurso moralista de partidos, como o Chega, que tendem a dividir as sociedades entre eles, os bons, e os maus, todos os que não pensam ou defendem os mesmos valores que eles, sejam militantes ou dirigentes da esquerda, intelectuais ou imigrantes. A diferença entre o discurso da limpeza de um país supostamente contaminado de corruptos e a bancada que faz esse discurso, onde cerca de 20% dos deputados têm ou tiveram problemas com a justiça, é reveladora. Um deputado de um partido com este discurso ser apanhado num crime tipo pilha-galinhas, é tanto uma prova de hipocrisia como de inconsistência. André Ventura percebeu depressa o perigo que o caso das malas representa para o Chega e tratou de atacar o foco da potencial infecção, prometendo agir em nome da defesa do partido. Em teoria, casos como este têm potencial para desgastar a credibilidade e o poder de atracção de políticos e de partidos. Mas, a prática, nos casos da extrema-direita, está longe de o confirmar. A eleição de um homem sem qualidades como Donald Trump nos Estados Unidos, a associação de Salvini ou de Marine Le Pen a casos de uso indevido de dinheiros públicos ou de financiamentos suspeitos da Rússia não bastaram para reduzir o seu poder eleitoral. E entre nós, que implicações pode ter este caso? Será que vai ser um problema para Ventura? Convidámos para este episódio do P24 o cientista político, investigador do ISCTE e professor na Universidade Lusófona Ricardo Marchi, um italiano que se doutorou em História em Lisboa e escreveu vários livros sobre a Direita em Portugal, entre os quais "A Nova Direita Anti Sistema - O caso do Chega". See omnystudio.com/listener for privacy information.