TRANSCRIÇÃO: LuxOi, oi! Estou aqui, gravando este podcast Gestação e Parto com Autonomia. Hoje é um episódio especial com um homem, porque eu estava sentindo falta dessa voz masculina por aqui. É o Elcio Leite, pai e doula de parto, e eu o trouxe para a gente conversar um pouco sobre essa visão do papel do pai nessa jornada junto com a mãe, durante a gestação, o parto e o pós-parto. Seja bem-vindo! Elcio LeiteMuito bom, muito bom estar aqui. Uma alegria, me sinto honrado em participar deste bate-papo com você, nesse espaço sagrado que você compartilha, sobre o sagrado da vida. Falar disso é sempre um prazer. LuxPara mim também. Então, conta um pouco da sua experiência. Você deu um depoimento muito bonito no nosso curso de doulas, do qual eu faço parte da coordenação. E você me contou um pouco sobre o início da sua paternidade, como foi descobrir que ia ser pai de uma filha... Conta pra gente a sua história. Elcio LeiteFoi muito especial participar dessa formação na Casa Matriz com você. Nesse encontro eu compartilhei como a paternidade foi transformadora pra mim. Acho que a paternidade trouxe esse convite de olhar para toda a minha vida. Talvez, se eu não tivesse sido colocado diante desse olhar, eu teria seguido de um jeito que não me reconheço mais hoje. Fui criado dentro de uma cultura que me colocava sempre em busca de suprir as necessidades materiais, de trabalhar demais, de me desconectar de mim mesmo e da minha saúde. As consequências disso não foram boas. Então, quando comecei a refletir sobre quem eu era e quem eu deveria ser para me tornar pai, percebi o quanto esse processo era essencial. Eu pensava muito no futuro, na educação, no que eu iria passar para a minha filha. Mas quando me vi diante da concepção, percebi que havia algo muito mais profundo, um mistério para aprender. Esse período me fez refletir sobre a concepção e todo esse começo da vida. LuxMe conta uma coisa: você tinha convivência com crianças pequenas, com mulheres que pariram perto de você? Elcio LeiteNão tinha muito. Quando meus sobrinhos nasceram eu já trabalhava demais e acabei me distanciando. Minha mãe pariu em hospital, de cesariana, mas sei que ela viveu a gestação em casa, na Bahia. Só mais tarde, em viagens, fui tendo experiências que me marcaram. Eu e a Gabi, minha companheira, viajávamos muito e acabamos convivendo com famílias diferentes, em outros países. Em Amsterdam, por exemplo, uma família abriu a casa para nós. No jantar, a mãe contou que do lado esquerdo da cama nasceram dois filhos, e do lado direito nasceram outros dois. Aquilo me impactou. Em outro momento, na Nova Zelândia, convivemos com um casal de 65 anos que educou os filhos em casa, viajando de ônibus pelo país. Essas experiências foram me moldando e me preparando para a paternidade. LuxQue lindo! Eu perguntei porque acho que isso é uma grande questão. Quando você disse no começo que pensava em ser pai no futuro, você falava de faculdade, educação... Nossa sociedade separa muito as experiências. Hoje as mulheres não parem mais em casa, os homens e crianças ficam afastados. Se tivéssemos mais convivência, talvez tivéssemos outra visão do começo da vida. Porque realmente não convivemos muito com esse momento. Eu também, na minha adolescência, só convivi com meu sobrinho. Fiquei com ele, mas como tia, não como alguém mergulhada no processo. E nas culturas mais tradicionais é diferente: os pequenos estão junto dos adultos, das mulheres que parem, veem tudo acontecer de perto. Isso faz muita diferença. Elcio LeiteExatamente. LuxE como você não teve isso, acabou precisando “correr atrás”, buscar essa vivência. Você fez o curso da NEP, não foi? Elcio LeiteSim, mas antes disso já vinha sendo provocado. Quando eu e a Gabi decidimos conceber a Marina, ela começou a estudar mais sobre parto fisiológico, ouvir podcasts. A gente tinha se mudado para São Sebastião, estávamos mais conectados com a natureza durante a pandemia. Ela encontrou um curso de doulas e se inscreveu, já grávida nas primeiras semanas. Eu também fui convidado a participar e aceitei. Foi um divisor de águas. Conheci a Laura Uplinger, vice-presidente da NEP, e aquilo abriu um universo. Eu estava acostumado a pensar só no “futuro” — andar de bicicleta com a filha, ensinar a surfar — mas percebi que havia todo um caminho antes disso, começando já na gestação. LuxE nesse curso tinham outros homens também? Elcio LeiteNo primeiro dia só eu. Depois chegaram mais dois. É muito simbólico quando um homem chega, porque acaba abrindo caminho para outros. Éramos umas 30 mulheres e apenas três homens. LuxJá é 10%, não é pouca coisa. Muito bom. Eu queria te ouvir sobre o que você aprendeu nessa jornada que pode inspirar outros homens. Elcio LeiteMinha filha tem 4 anos agora, e o aprendizado é diário. Antes eu achava que precisava só “fazer, fazer, fazer” — trabalhar, conquistar, prover. Mas percebi que havia um processo em andamento na barriga da Gabi, e o meu papel era outro. O convite era para observar, para apoiar, para me abrir ao imaterial: às emoções, ao que não se toca. Meu fazer ganhou muito mais sentido quando percebi que precisava dar espaço para que o processo acontecesse por si mesmo. Na gestação, no parto e depois, aprendi a ver minha participação como parte de um tripé: natureza, saúde e relações. Isso me levou a uma visão mais ampla de saúde, não só como ausência de sintomas ou intervenção médica, mas como um processo integral, em sintonia com a natureza e com os ciclos da vida. LuxE você sente que isso expandiu para outras áreas da sua vida também? Elcio LeiteCompletamente. Passei a questionar o que é saúde de verdade. Antes eu achava que saúde era trabalhar 14 horas por dia e fazer um check-up anual. Hoje entendo que não era saúde, era só sobrevivência. Ao olhar para a natureza e seus ciclos — nascimento, crescimento, morte, renascimento — percebi que saúde também é saber lidar com o inesperado, com as transformações. Isso mudou minha forma de viver e de me relacionar com o mundo. LuxSim. E também faz a gente pensar no parto e na saúde de um jeito mais amplo, sem reducionismo de “deu certo ou errado”. É muito mais complexo. Elcio LeiteExato. O nascimento é parte de um ciclo, e precisamos refletir sobre como estamos conduzindo isso na nossa cultura. LuxEntão, para ser mais prático: o que você recomenda para homens que estão prestes a se tornar pais? Elcio LeitePrimeiro, se conhecer. Olhar para a própria biografia, entender como foi sua gestação, seu nascimento, como foi cuidado. Isso traz muita informação sobre como você vai reagir ao nascimento do seu filho. Depois, buscar conhecimento, questionar os modelos vigentes, especialmente no Brasil, onde o parto é tão medicalizado. E acima de tudo: mergulhar junto, não de forma passiva, mas buscando autonomia junto com a parceira. LuxIsso é lindo, porque esse processo de autoconhecimento antes do nascimento é o que depois vai sustentar a paternidade. Os filhos são grandes mestres, e para estar com eles, precisamos estar em contato com nossas próprias perguntas e visão de mundo. Elcio LeitePerfeito. O grande momento de aprender é antes do nascimento. Depois que o bebê chega, as noites sem dormir, as trocas de fralda, tudo flui melhor se você já tiver clareza de suas prioridades e valores. LuxVocê tem algum livro ou curso para recomendar? Elcio LeiteSim, primeiro o meu próprio livro, O Pai em Gestação. Nele eu trago reflexões científicas, filosóficas e práticas sobre esse processo. Recomendo também A Biologia da Crença, do Bruce Lipton, que ajuda a refletir sobre saúde e espiritualidade desde a concepção. Outro é A Vida Secreta da Criança Pré-Natal, de Thomas Verny, que traz um novo paradigma sobre a vida humana. E para quem lê em inglês, Parenting for Peace, de Marcy Axness, que aborda desde a concepção até a adolescência. LuxMaravilha. E uma última reflexão: você falou que o pai não é protagonista do que acontece no corpo da mãe, mas como ele pode ser protagonista da sua própria experiência, sem roubar esse lugar da mulher? Elcio LeiteTem uma frase atribuída aos indígenas da América do Norte que me marcou: “As mães carregam os bebês no ventre, e os pais carregam a mãe e o bebê no coração.” Isso resume bem. O protagonismo do pai está em se encantar com o mistério, em estudar, em se preparar, em cuidar do ambiente para que tudo aconteça da melhor forma. É assumir sua parte com responsabilidade, sendo guardião e apoiador desse processo sagrado. LuxQue lindo. Esse encantamento e maravilhamento pela vida é o que pode nos mover todos os dias. Elcio LeiteExatamente. Olhar para a natureza, se encantar com a gestação, com o parto, com a amamentação. Esses processos são convites para o pai se maravilhar e também agir, quando necessário, para proteger esse milagre que acontece diante de seus olhos. LuxSim, e a amamentação também faz parte, mesmo que o pai não amamente diretamente. Ele é fundamental no cuidado com o ambiente, com a mãe, para que ela possa estar inteira para o bebê. Isso é paternidade ativa também. Elcio LeiteSem dúvida. E aí o triângulo pai-mãe-bebê se completa, se torna sagrado. O pai pode cuidar do vínculo, da alimentação, da saúde da mãe, da harmonia do lar. Isso é nutrir de verdade. Get full access to Lux Berndt at luxberndt.substack.com/subscribe