Em linha com o correspondente

Ao telefone com um dos correspondentes da nossa rede dispersa por África e pelo mundo analisamos os grandes temas do momento que fazem o pulsar da actualidade nos vários países.

  1. SEP 19

    Albânia nomeia ministra virtual para lutar contra corrupção

    A narrativa podia ser tirada de um filme de ficção científica ou de uma distopia: o primeiro-ministro da Albânia, Edi Rama, anunciou esta semana a nomeação de Diella, sol em albanês, uma ministra virtual que tem a missão de liderar a luta contra a corrupção no país. Criada com base na inteligência artificial, Diella não tem corpo, nem ligações políticas e é alimentada por dados, algoritmos e promessas de transparência. Num país onde a confiança nas instituições é frágil, a chegada de uma ministra digital é vista como um avanço inevitável, numa Albânia que ambiciona a entrada na União Europeia, mas pode também representar o início de um regime onde a tecnologia se torna um instrumento de controlo, levantando dúvidas sobre os limites entre vigilância e governação. Arilindo Oliveira, especialista português em inteligência artificial, reconhece o potencial da inteligência artificial como apoio à governação, no entanto considera prematuro atribuir-lhe funções executivas e alerta para os riscos tecnológicos, legais e institucionais envolvidos. A Albânia nomeou esta semana uma ministra virtual para lutar contra a corrupção no país. Que mensagem envia o primeiro-ministro Edi Rama, com esta nomeação? A inteligência artificial vai acabar por governar o mundo?  É um pouco surpreendente, mesmo para quem tem acompanhado os avanços da inteligência artificial. Penso que já seria possível termos membros virtuais em conselhos de administração, por exemplo, que fizessem contribuições para uma decisão colegial. Mas daí a conferir autoridade a um ministro - mesmo que virtual - ao nível do conselho mais alto de um país, parece-me ser demasiado optimismo relativamente ao poder actual da tecnologia. Provavelmente, esta decisão é impulsionada pela desconfiança que as pessoas têm nos políticos, fazendo crer que a questão da corrupção não poderia ser combatida por um ser humano - teria de ser uma máquina. Quais serão as responsabilidades governamentais desta ministra? Imagino que a ideia será um sistema que permitirá analisar denúncias e outros tipos de dados coligidos pela polícia e por sistemas de investigação e agir de uma maneira imparcial relativamente a denúncias e, eventualmente, definir políticas anti-corrupção. Eu sei que já houve candidatos que eram sistemas de inteligência artificial a eleições noutros países, mas que eu saiba, não foram eleitos. Sim, aconteceu no Japão... Sim e nalguns países da Escandinávia, mas agora este caso é diferente. Se a ideia é que esta entidade vai participar em decisões colegiais do Conselho de Ministros, poder propor legislação e ações específicas, é de facto, um passo muito grande em frente no uso da tecnologia de inteligência artificial. E eu até temo que seja uma experiência demasiado atrevida. Parece-me duvidoso que os sistemas existentes tenham capacidade de fazer a análise de dados, ao nível exigido ao nível de um Conselho de Ministros de um país. Diella tinha sido, até agora, uma assistente digital: aconselhava os cidadãos sobre como navegar nos serviços governamentais em linha. Mas agora assume funções governamentais... O que já é um passo mais significativo. Passar de uma função informativa para uma nomeação em que pode - ou não - contribuir para o combate à corrupção no país levanta outra questão: estará o primeiro-ministro albanês a ser excessivamente ambicioso? Eu diria que sim - que estamos a ser demasiado ambiciosos. Tenho dúvidas de que, no estado actual da tecnologia, um sistema deste tipo consiga tomar decisões, fazer propostas acertadas ou definir políticas eficazes com base na informação que lhe é fornecida. Há, no entanto, uma vantagem: se o sistema tiver sido bem configurado, não terá interesses próprios nesta matéria. E, nesse sentido, poderá de facto estar a fazer o seu melhor para combater a corrupção. Agora, se esse "melhor" - ou melhor dizendo, o melhor que a tecnologia consegue - será suficiente para garantir medidas anticorrupção eficazes, isso é outra questão. É, sem dúvida, uma experiência que acompanharei com atenção e interesse. Quais são os riscos de confiar num sistema destes? Os maiores riscos são que o sistema não tenha capacidade para tomar decisões ou fazer as abstracções necessárias para propor legislação eficaz, abrir processos ou executar outras acções indispensáveis no combate à corrupção. Mas esses riscos não são muito maiores do que os de não fazer nada. A verdade é que, se a corrupção continua a existir, é porque também o combate contra ela não tem sido eficaz. Por isso, considero esta tentativa interessante. A ideia de desligar as pessoas e os seus interesses pessoais - especialmente em países onde há elevados níveis de corrupção - pode ser um mecanismo com potencial. Todavia, não me parece que deva ser o primeiro passo. Talvez fosse mais sensato começar por aprovar um conjunto de legislação bem estruturada e, depois, verificar se essa legislação está a ser implementada correctamente. Essa já me pareceria uma tarefa mais adequada para um sistema deste tipo, desde que devidamente instruído ao mais alto nível - onde a responsabilidade passa por propor legislação e acções concretas. Confesso-me um pouco céptico. Mas enfim, estes temas às vezes surpreendem-nos pela positiva. Pode ser que corra bem. Vamos ver se a Albânia dá, de facto, um salto nas medidas e nos rankings internacionais de corrupção. Se nos próximos anos a evolução for positiva, talvez se comprove que esta abordagem foi a correcta - embora eu, francamente, continue a ter algumas dúvidas. No ano passado, a Albânia ficou classificada no 80.º lugar entre 180 países no Índice de Corrupção. O país está também a tentar aderir à União Europeia. Acha que esta nomeação poderá ter sido uma tentativa de enviar um sinal político à União Europeia, mostrando que está a tentar combater a corrupção? É bem possível que sim. Por outro lado, importa fazer uma nota sobre esses índices. Penso que o índice a que se refere é o Índice de Percepção da Corrupção - e esse não é, na verdade, um índice da corrupção em si, porque medir a corrupção de forma objectiva é extremamente difícil. Trata-se de um índice da percepção pública da corrupção: ou seja, as pessoas são inquiridas sobre qual é a sua percepção relativamente à presença de corrupção no seu país. Desse ponto de vista, tudo começa com a percepção. E, até certo ponto, uma medida como esta - nomear um ministro virtual - pode funcionar bem se as pessoas acreditarem que este tipo de solução tecnológica é eficaz no combate à corrupção. A percepção que têm da situação pode melhorar significativamente, apenas pelo facto de a medida ter sido tomada. Estes índices são falíveis nesse aspecto: não medem directamente os níveis reais de corrupção, nem os montantes de fundos desviados, nem a eficácia das instituições judiciais. O que medem é a percepção pública. Portanto, não estão totalmente alinhados com a realidade factual da corrupção no país. Dito isto, se a reacção pública a esta iniciativa for positiva, a Albânia poderá, de facto, subir alguns lugares no ranking, mesmo que os níveis reais de corrupção não tenham mudado de forma significativa. A utilização da inteligência artificial em governos pode vir a ser um modelo a seguir por outros países, numa altura em que há uma crescente descredibilização da classe política? Eu pensaria que faria mais sentido utilizar estes sistemas como ferramentas de apoio e aconselhamento aos governos - uma espécie de peritos virtuais, por assim dizer. Em determinadas áreas de especialidade, poderiam elaborar relatórios, apresentar documentos, e até propor medidas, colocando essas propostas ao nível da decisão política. Mas isso não é o mesmo que lhes conferir poder de decisão - e não é isso que está a ser feito, pelo menos na maioria dos casos. Quanto à nomeação de um “ministro”, se é que se pode chamar-lhe exactamente isso, parece-me que se trata não só de uma iniciativa arriscada, face ao actual estado da tecnologia, mas também de uma medida que colide com alguns princípios fundamentais, nomeadamente os previstos no Regulamento da Inteligência Artificial da União Europeia. Esse regulamento estipula, de forma clara, que as decisões finais devem ser sempre tomadas por seres humanos. Por isso, o princípio de colocar sistemas de inteligência artificial em posições onde possam ter responsabilidade final - ou mesmo de apresentar propostas com força política directa - não me parece compatível com o enquadramento legal e ético da União Europeia. E provavelmente também não será compatível com os princípios que muitos outros países virão a adoptar nos próximos anos. Pelo menos, assim esperamos. A verdade é que uma ministra virtual não precisa de férias, nem tem regalias… Claro, é verdade. E não tem salário - logo, os custos são muito reduzidos. Existem algumas vantagens óbvias. Mas, quer dizer, o próximo passo seria então formar um governo composto inteiramente por ministros de inteligência artificial. E, nesse cenário, talvez só fosse necessário manter um primeiro-ministro humano. Penso que ainda é um pouco cedo para dar passos tão ambiciosos. Mas não deixa de ser interessante acompanhar os resultados destas experiências. Há também dúvidas sobre os limites entre a vigilância e a governação. Sim, sem dúvida. Há vários factores que influenciam a corrupção. Por um lado, o próprio nível de vida dos países afecta bastante a incidência da corrupção - porque, em contextos com maior bem-estar económico, a necessidade de recorrer à corrupção tende a ser menor. Depois, há também factores culturais e institucionais. A

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  2. MAR 3

    Ucranianos dizem ser inevitável que Europa defenda o país e leste da Europa

    Desde o início da invasão russa, a Ucrânia vive em guerra com combates, perdas humanas e materiais. Nos últimos três anos, Kiev conta com o apoio militar e económico dos países aliados ocidentais, como os Estados Unidos. As tensões aumentaram com o encontro entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky, marcado por acusações feitas pelo Presidente e pelo vice-presidente norte-americanos. Durante a visita à Casa Branca, o Presidente norte-americano criticou a gestão de Zelensky, exigiu mais gratidão pela ajuda dos EUA, acusou-o de estar a "apostar na Terceira Guerra Mundial". RFI: O encontro de sexta-feira entre Volodymyr Zelensky e Donald Trump pode influenciar o apoio dos Estados Unidos à Ucrânia? José Pedro Frazão, na Ucrânia, em serviço especial para a RFI: Sim, naturalmente, terá um impacto. Mas não está tudo perdido. A sensação aqui em Kiev, na Ucrânia, é que embora alguns tenham ficado preocupados com o nível de agressividade da conversa, há sinais de que nada está perdido, porque, aparentemente, as conversas continuam, os canais não foram cortados entre Washington e Kiev. Mas é verdade que, se os Estados Unidos cortarem essa "torneira" de defesa em relação à Ucrânia, será muito mais difícil. Naturalmente, a Ucrânia continuará a sua ofensiva. Alguns deputados com quem falei nos últimos dias, depois desta conversa de Trump com Zelensky na Casa Branca, dizem que é preciso não sucumbir ao pessimismo e ser um pouco paciente com a administração Trump, lembrando que os resultados podem não ser imediatos. Além disso, há outra pista de entendimento com a União Europeia para tentar um reforço militar, que é aquilo que temos observado nos últimos dias. De certa forma, a Europa está a substituir os americanos no terreno ou, pelo menos, no apoio externo às forças ucranianas. Como é que, no terreno, os ucranianos reagiram à exigência dos Estados Unidos de que Volodymyr Zelensky deixe o cargo de presidente? O Presidente ucraniano, quando assinalou os três anos desta invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, tinha levantado a possibilidade de se demitir caso a Ucrânia fosse aceite na NATO. Aliás, ele disse isso mesmo ontem, em Londres. A ideia de se demitir não é nova, mas é de difícil execução, porque se percebe que a NATO provavelmente não será a opção de garantia de segurança mais imediata. Por outro lado, a verdade é que os ucranianos precisam de respostas imediatas. A substituição de um Presidente, ainda para mais num contexto de guerra, não parece ser muito viável. Do ponto de vista da população, a intervenção foi vista de forma positiva, mas é preciso notar que, quando os ucranianos olham para aquilo que está a acontecer, não é propriamente a questão da Presidência que está em causa. O Presidente que está actualmente em funções é quem está a defender o rumo da Ucrânia na guerra. Eu diria que ele reforçou a sua posição internamente, apesar dos riscos que corre. E, desse ponto de vista, por exemplo, é um pouco incongruente pedir a saída do Presidente ucraniano e, ao mesmo tempo, pedir eleições, porque, na verdade, em princípio, ele se candidataria a essas eleições e não sabemos o resultado. Para haver eleições é necessário acabar com a lei marcial e, depois, só cerca de seis meses depois dessa possibilidade poderia haver eleições. Se ele se recandidatasse, poderia ainda assim ter um resultado aceitável. Os aliados europeus receberam Volodymyr Zelensky e, em Londres, a Europa mostrou que estava unida e ao lado da Ucrânia. A Europa quer apostar numa reconciliação entre Trump e Zelensky, mas prepara-se para agir sem o apoio dos Estados Unidos da América. Como é que reagiram os ucranianos ao encontro de ontem? Os ucranianos entendem como inevitável que a Europa tome agora um pouco mais o cargo a defesa não só da Ucrânia, mas também do leste da Europa. Esta era a resposta que a Ucrânia esperava que a Europa desse. Simplesmente, todos estavam à espera do que Trump diria e de como seria a conversa entre Zelensky e Trump. Essa conversa não correu bem numa primeira instância, o que activou os alarmes em vários governos europeus e levou à declaração de um novo plano de defesa. Vamos ver ao longo desta semana como se concretiza, mas, do ponto de vista militar, a Ucrânia olhar positivamente para isto. A importância americana subsiste, nomeadamente na defesa aérea: Os sistemas aéreos são de origem norte-americana, como os mísseis Patriot, essenciais para defender o território ucraniano, e também os caças F-16. Alguns aliados da NATO operam estes aviões e precisam de autorizações dos Estados Unidos para a sua utilização. É por isso que a Europa gostaria de contar com o apoio dos Estados Unidos. Os próximos dias irão clarificar se isso acontecerá, se a Europa assumirá a linha da frente, com um apoio americano. Seja como for, estes planos de defesa europeus são bem-vindos em Kiev. Em relação ao futuro da guerra, tudo está um pouco em aberto, dependendo da forma como esses reforços chegarão ao terreno. Há diálogo, nesta altura, entre a Rússia e a Ucrânia? É curioso perguntares isso, porque, há três anos, por esta altura, no início de Março, havia negociações na Bielorrússia entre russos e ucranianos. Não eram negociações de alto nível, mas havia conversas. Essas negociações foram sendo interrompidas ao longo das semanas e, hoje em dia, o diálogo é mínimo. Actualmente, os contactos entre Rússia e Ucrânia limitam-se essencialmente à troca de prisioneiros, graças à mediação das Nações Unidas e da Santa Sé. Também poderá haver contactos ao nível da repatriação de crianças, mas essa questão ainda não está resolvida da mesma forma que a troca de prisioneiros de guerra. Houve uma libertação de prisioneiros em Fevereiro, Zelensky está a distribuir imagens e deixou-as na Casa Branca, como um gesto simbólico da suposta vontade de Vladimir Putin de fazer a paz. No entanto, as últimas notícias vão noutra direcção. Nas últimas horas, por exemplo, surgiu a ideia de uma trégua de um mês como sinal de boa vontade da Rússia. No entanto, na Ucrânia, ninguém acredita nem em tréguas, nem em cessar-fogo. O receio é que uma pausa sirva apenas para a Rússia se rearmar e lançar novos ataques ainda mais profundos contra a Ucrânia. Passados três anos de guerra, há perspetivas de negociações de paz? Notas um movimento de regresso de deslocados ou, pelo contrário, uma intensificação da saída de ucranianos para o estrangeiro: Qual é o grau de cansaço da população? É uma sociedade fatigada com a guerra. Ainda há pessoas a sair das linhas da frente. Nos últimos dois dias, tive contacto com muitas pessoas que estão a abandonar estas zonas, nomeadamente de Pokrovsk e Kostiantynivka. Estamos a falar de populações que resistiram apesar dos fortes bombardeamentos, sobretudo os mais idosos. A maior parte das famílias com crianças já deixou estas zonas ao longo dos últimos três anos, algumas deslocando-se para a Ucrânia Ocidental e outras para o estrangeiro. Neste momento, não há um grande êxodo de ucranianos para outros países europeus, ninguém acredita que a paz esteja próxima. A perspectiva ucraniana é continuar a lutar. Os ucranianos dizem que, se não forem eles a lutar, ninguém lutará por eles. A economia está gravemente afectada e depende do apoio europeu para manter serviços públicos. Há uma geração inteira mobilizada para o combate. As mulheres enfrentam sobrecarga de trabalho, há e problemas de saúde mental. A corrupção na administração pública continua a ser um desafio. São várias as batalhas internas que os ucranianos enfrentam, além do inimigo comum: Vladimir Putin e a Rússia.

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  3. JAN 17

    Workout to Help, guineense lançou em Londres projectos solidários à escala global

    A vida surpreende-nos constantemente com desafios inesperados que por vezes se tornam em oportunidades para fazer algo diferente. Foi o que fez Salas Baldé, gerente de um restaurante em Londres, que se tornou numa figura inspiradora no combate à pobreza. Em 2020, quando o mundo se fechou em casa para combater a pandemia causada pela Covid-19, este natural da Guiné-Bissau decidiu oferecer aulas de exercício por videoconferência. De amigos e familiares, a palavra foi passando e o grupo cresceu. No final do confinamento, muitos participantes ofereceram-se para pagar. Em vez de guardar o dinheiro, Salas decidiu criar um projecto de solidariedade que já chegou a 12 países, em África e na América do Sul, e ajudou dezenas de famílias necessitadas. Assim nasceu o Workout to Help, exercício para ajudar, como começa por contar Salas Baldé. "O Workout to Help foi uma iniciativa que começou durante a pandemia. Eu trabalho no Nando's, ainda trabalho como gerente, e o Workout to Help começou porque na altura eu estava a treinar uns amigos meus no ginásio. E, entretanto, quando a pandemia, o lockdown [confinamento] acontece, eu estava a pensar para mim o que é que eu vou fazer agora, não posso treinar ?!E estava a caminho do ginásio e estava a pensar, vou pôr os meus amigos online, já que os treino aqui, vou pô-los online e vamos treinar três vezes à semana. E a partir daí, conseguimos conviver, muitos deles vivem em quartos. Mas assim, conseguimos conviver e conversar e assim as pessoas não ficam isoladas. E as pessoas depois começaram a chamar amigos, amigos dos amigos, a minha irmã também treinava connosco e chamava os amigos.  Passados seis meses, as coisas começaram a voltar ao normal e eu continuei as aulas porque eu gostava muito daquilo. As pessoas com que iniciei aquilo, as pessoas do trabalho, voltaram ao trabalho e começaram a sair aos poucos e fiquei com bastante gente que eu não conhecia, pessoalmente. E (eles) diziam, "Salas, nós temos que te pagar". Mas eu disse, "Não fiz isso por causa do dinheiro, eu não quero dinheiro". Mas até aí, eu não sabia o que estava a fazer. Eu estava só a fazer porque eu gostava de ajudar. Entretanto, eu estava a falar com a minha irmã mais nova que estava na Guiné [Bissau], ela disse-me que os mercados tinham fechado, eu falava com a minha mãe, ela dizia que as coisas não estão bem. E depois eu voltei para casa, estava a pensar nisso, pensei, se essas pessoas querem pagar, se essas pessoas precisam, eu não quero dinheiro, por que não fazemos e ajudamos essas pessoas aqui? Então, voltei ao grupo e disse, olha, não precisam pagar, cada três, quatro meses fazemos uma doação, vocês sentem que estão a pagar a mim e mandamos o dinheiro para as pessoas que precisam. Começámos pela Guiné porque a minha irmã estava lá e entretanto foi assim que começou. A minha irmã organizou lá, começou a distribuir comida, coisas assim, bens essenciais. E depois voltámos com os vídeos, mostrei ao grupo o que é que fizeram na altura e disse, "Ah, uau, temos que fazer mais disto". Então, depois foi Cabo Verde, duas vezes, depois foi o Brasil duas vezes, Filipinas, Angola, São Tomé e Príncipe.  E conhecias pessoas nesses sítios?  Conhecia pessoas lá. Por exemplo, no Peru, eu fui pessoalmente. Tive o privilégio de poder ajudar três famílias lá, que foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz, ver aquelas pessoas de perto, chorarem e dividirem aquele lado emocional. Foi extraordinário. Depois de um ano pensei, "Porquê que eu não crio uma marca de roupa para o dinheiro servir para essas coisas? 100 % de tudo isso ia para as pessoas. Entretanto, passado dois anos, como eu estava a treinar crianças, pensei, como é que eu posso explicar essa história para as crianças, a perceberem que do outro lado há crianças como elas, que não têm tanto como essas do lado de cá? Porque eu fui uma dessas crianças. Eu nasci na Guiné [Bissau]. Porque por lá não tinha ténis, não tinha nada disso. Aí apareceu a ideia do livro. Escrevi o livro dois anos, dois anos e tal, sem ninguém saber. O primeiro livro é sobre a Guiné [Bissau]. E nesse livro, por exemplo, conta um bocado a história da Guiné [Bissau], depois falo um pouco do Salas e depois, o primeiro livro conta a história de como começou o Workout Help. E como é que nós ajudamos. O Salas sempre nessas histórias vai levar um conjunto de amigos para essa ajuda. São pessoas que participaram do Workout Help e tudo baseado em histórias reais. Por exemplo, ao Peru, fui com a Daniela e com o Nico. Estivemos lá a ajudar pessoas. E o livro é mesmo baseado em coisas reais. O segundo livro é sobre o Cabo Verde. O terceiro é sobre o Brasil e soa em zona. Mas só temos cá fora ainda só o primeiro. Escritas, escritas, as histórias estão dez feitas, mas não publicadas.  Então o projecto continua?  O projecto não pára. As aulas online continuam como uma pessoa difrente. Eu estou mais focado no livro, estou mais focado nas pessoas de ginásio. Estou mais focado. Porque o Workout Help está crescendo num ponto que eu não tenho mais tempo de fazer as aulas online. Mas as aulas online continuam.  Quantas pessoas achas que já ajudaste até agora?  Boa pergunta. Sei que ajudámos doze países. Sei que ajudámos, só na Guiné [Bissau] ajudámos, no início, ajudámos 20 famílias. Em Cabo Verde, mais umas dez famílias. No Brasil, na primeira ajuda foram cinco, seis famílias no início. Depois voltámos lá para o Natal. Oferecemos brinquedos e também ajudámos uma casa de idosos.  Já tinhas feito alguma coisa assim? Nunca. Eu só fui fazendo as coisas. Nem sequer tinha ideia do que estava a fazer. Entretanto, há três meses atrás, o Robbie Brozin, o dono e co-fundador do Nando's, a Coca-Cola convidou-o para ir à inauguração das Olimpíadas [em Paris em 2024] para segurar a tocha. E ele disse [que] gostaria de levar alguém com ele que estivesse a fazer coisas extraordinárias na companhia, dentro e fora. O meu ‘regional manager [director regional] mencionou o Salas, disse, "O Salas está a fazer isto". E ele [Robert Brozin] está a ajudar agora ou não?  Ele disse-me "Salas, tu é que vais decidir. Eu quero trabalhar contigo. Eu quero que tu venhas ter comigo a Joanesburgo. Eu vou-te levar a Joanesburgo e a Moçambique. E tu decides depois se queres". Eu estou muito interessado nesses livros. E vemos como é que podemos trabalhar em conjunto.  Então, e o que é que tu achas que isto vai dar?  Eu acho, eu tenho a certeza que o Workout To Help vai ser uma marca muito conhecida internacionalmente. E o meu sonho, por exemplo, que eu acredito que vou poder realizar, é construir escolas, por exemplo, na Guiné [Bissau], em partes que não existem escolas. Facilitar essas coisas. Construir escolas em Angola, em partes que não existem, por exemplo. Tive a experiência de ir a certas aldeias lá na Guiné [Bissau] e as crianças não estudam porque não há nenhuma escola ali. Não há escolas. E não têm, crescem sem poder estudar, sem poder ler, sem saber escrever. E são essas coisas que me fazem levar isto à frente. E depois, inspirar as crianças e dizer-lhes: se o Salas conseguiu fazer isto saindo da Guiné, vocês conseguem fazer muito mais do que isto." Salas Baldé já leu o seu livro a centenas de crianças em Portugal e no Reino Unido e espera continuar passar a mensagem: que todos podemos fazer algo para ajudar num mundo cada vez mais dividido.

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  4. 02/08/2023

    "Estes segundos pareceram uma eternidade, como se o mundo estivesse a explodir"

    O forte terramoto, com magnitude de 7,8 na escala de Richter, foi sentido na madrugada de segunda-feira, apanhando a esmagadora maioria das pessoas dentro de casa, muitas a dormir. O número de mortes não pára de aumentar. As operações de busca e salvamento prosseguem na Síria e na Turquia e cada minuto conta. O Presidente da Turquia decretou sete dias de luto nacional em todo o país pelas vítimas do terramoto. As operações de resgate nas cidades turcas mais afectadas pelos sismos poderão ser prejudicadas pelas temperaturas geladas, que ficam abaixo dos zero graus durante a noite.  O nosso correspondente em Ancara, José Pedro Tavares, descreve "uma verdadeira corrida contra o tempo. Como é sabido, as primeiras 36 a 48 horas são absolutamente fundamentais para encontrar sobreviventes. Já se encontraram mais de 8.000 pessoas, a maioria das quais nas primeiras horas após o primeiro abalo que ocorreu na madrugada de segunda-feira, às 4h17 hora local". As operações de resgate estão a ser dificultadas pela vastidão da área, que cobre dez províncias na Turquia, mas também pela vaga de frio, com neve e temperaturas negativas. "Para além dos ferimentos e de todas as condições, a questão do frio, essas pessoas vão sofrer de hipotermia até porque estão debaixo dos escombros, em roupa interior e pijamas, que eram as roupas que estavam a utilizar quando o mundo desabou a seus pés", descreve José Pedro Tavares. A Turquia é o terceiro país, em termos absolutos no mundo inteiro, onde mais pessoas morreram em tremores de terra na história contemporânea recente. "Nos últimos cem anos houve 12 sismos e morreram 90.000 pessoas. A Turquia assenta na confluência de três grandes placas tectónicas; europeia, africana e arábica, criando uma série de falhas. A placa que libertou energia foi a placa do leste da Anatólia, que vem da ilha do Chipre", explica. O forte terramoto, com magnitude de 7,8 na escala de Richter, foi sentido durante a noite de domingo para segunda-feira, apanhando a esmagadora maioria das pessoas dentro de casa, muitas a dormir. "Estes sismos foram, provavelmente, os mais intensos e poderosos dos últimos cem anos. Falei com várias pessoas que estavam na área e que me disseram - Estes segundo pareceram uma eternidade, como se o mundo, as casas, as paredes estivessem a explodir", acrescenta. A nível interno, a Turquia vai ter eleições presidenciais e legislativas cruciais dentro de quatro, cinco meses. "Começam a surgir questões quanto à responsabilidade política de haver tantas vítimas mortais, já que muitos prédios colapsaram como castelos de cartas, quando não o deveriam ter feito poque a Turquia tem uma legislação rigorosa no que diz respeito à construção anti-sísmica", conta. Questionado sobre a possibilidade de haver um impacto deste acontecimento geológico nas questões geopolíticas, no braço de ferro apondo Ancara à Suécia e à Finlândia, em torno da adesão destes países nórdicos à NATO, José Pedro Tavares lembra que existe essa possibilidade: "Há aqui uma corrente de solidariedade que poderia ser utilizada para tentar ultrapassar no futuro diferendos políticos. Vamos ver se os governos aproveitam a onda e conseguem mudar o chip nas suas relações bilaterais". "As relações entre a Turquia e a Síria poderiam sofrer um degelo visto que os dois países são vítimas deste enorme desastre natural. A própria guerra na Síria também pode sofrer alteração depois desta tragédia. A situação na Síria é ainda mais complicada do que na Turquia porque, ao contrário da Turquia, não existe um Estado forte, não há mecanismos, não há protocolos. O país está em guerra civil há doze anos e as duas províncias mais afectadas são duas províncias que estão em lados opostos da guerra; Alepo e Idlib", acrescentou o nosso correspondente em Ancara.

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  5. 01/24/2021

    Presidenciais portuguesas, eleitores garantem votar em segurança

    Em Portugal as mesas de voto abriram às 08:00 locais e encerram às 19:00. Para evitar grandes concentrações de pessoas este ano foram multiplicados os locais de votação. O sufrágio coincide com um confinamento geral por causa da pandemia da Covid-19. Mais de 10 milhões de eleitores são chamados às urnas, este domingo, para escolher o novo Presidente da República de Portugal. Nas duas secções da freguesia da Misericórdia, no Bairro Alto lisboeta, os eleitores mobilizam-se para votar, respeitando os critérios sanitários. Os portugueses respeitam este domingo novas normas para exercer o direito de voto com percursos diferentes e bem sinalizados, distanciamento social, uso de máscara e gel álcool e a protecção dos membros das mesas de votação marcam estas eleições presidenciais portuguesas. Na corrida a Belém estão sete candidatos: Marisa Matias (apoiada pelo Bloco de Esquerda), Marcelo Rebelo de Sousa (PSD e CDS/PP e actual titular do cargo de Presidente da República), Tiago Mayan Gonçalves (Iniciativa Liberal), André Ventura (Chega), Vitorino Silva, mais conhecido por Tino de Rans, João Ferreira (PCP e PEV) e a militante do PS Ana Gomes (PAN e Livre). O boletim de voto conta oito nomes. A candidatura de Eduardo Baptista, o primeiro da lista, não foi aceite pelo Tribunal Constitucional por falta de assinaturas. Os votos em Eduardo Baptista serão considerados nulos.  Se nenhum candidato conseguir mais de metade dos votos, haverá uma segunda volta, em 14 de Fevereiro, com os dois mais votados.

    8 min
  6. 08/07/2019

    Cinema português em cartaz no Festival de Locarno

    Começa hoje, na Suíça, o Festival Internacional de Cinema de Locarno, considerado o quarto em importância, na classificação dos festivais internacionais. Os filmes portugueses e lusófonos africanos estão sempre presentes neste Festival. O nosso correspondente Rui Martins está lá e levanta-nos o véu sobre a edição 2019 do certame. Qual é a principal novidade no Festival de Locarno? Rui Martins: A principal novidade é sem dúvida a estreia da nova direcção. Esta nova edição do Festival, a septuagésima segunda, que se inicia hoje, é sob a responsabilidade de Lili Hinstin, jovem cineasta de 42 anos, que dirigia até ao ano passado, o Festival Internacional de Belfort com título bem sugestivo Entre-Vistas. Lili substitui Carlo Chatrian, o ex-director italiano de Locarno, agora director artístico do Festival Internacional de Berlim, que, por sua vez, estreará em fevereiro em Berlim. E qual é a tua primeira impressão pelas escolhas de filmes na programação das diversas secções? Rui Martins:  Esta minha primeira impressão é pelos filmes escolhidos nas competições, ainda inéditos, e por uma rápida entrevista com ela. Eu diria ter ficado bem impressionado. Locarno é um festival muito especial que, desde a sua criação, escolhe filmes de preocupação social e de tendências de comportamento. É muito normal, pois foi criado em 1946, logo depois do fim da Segunda Guerra. Festival de filmes de autor, tem revelado grandes nomes do cinema internacional como Stanley Kubrick, Claude Chabrol, Milos Forman, Atom Egoyan, Jim Jarmusch, Raul Ruiz, Abbas Kiarostami e Pedro Costa para citar só alguns.  Lili demonstrou preocupação com o futuro do cinema brasileiro, hoje sob risco de pré-censura, e programou uma série de filmes de diversas nacionalidades sobre o problema do racismo. E vai dar um grande destaque ao cinema português ! É verdade: na competição internacional foram colocados três filmes portugueses ! Rui Martins: Um recorde Miguel. Nunca vi tal coisa num festival ! O máximo foi a escolha de dois filmes do mesmo país. Entretanto, Lili Hinstin corrigiu-me quando lhe manifestei a minha surpresa, dizendo não serem três e sim dois. Para chegar a isso, ela falou sobre os critérios determinantes da nacionalidade de um filme. E o principal, no caso, é o relacionado com o financiamento do filme, ou seja, a nacionalidade da empresa produtora do filme.  E quais são esses três ou dois filmes portugueses na importante competição internacional ? Rui Martins:  Vamos começar com o o filme "O Fim do Mundo". A produtora é suíça, Thera Produções, a coprodutora é também suíça, é a Rádio e Televisão Suíças. O que é português neste filme? O realizador Basil da Cunha é filho de emigrantes portugueses, nascido em Lausanne, mas já adquiriu também a nacionalidade suíça, Vive em Genebra, cidade suíça, onde agora é professor na Escola de Cinema. São portugueses os actores. E o filme é falado em português, com legendas em inglês. En passant, o francês vem sendo abandonado pelos festivais em favor do inglês. Há dois anos, o Festival de Berlim acabou com as legendas em francês no filmes. Locarno provavelmente não fará a mesma coisa, pois o francês é uma das três línguas nacionais. Mas voltemos a Basil da Cunha e ao seu "Fim do Mundo". O filme é suíço, segundo a directora do Festival, eu continuo a achar ser português, mas não quero discutir. Uma coisa posso dizer - Basil da Cunha, que conheci aqui em Locarno, quando fez as suas primeiras curtas, é alguém em progressão, tenho quase a certeza de que "O Fim do Mundo" é um bom filme. Contarei. E o outros dois filmes portugueses ? Rui Martins: A directora Lili Hinstin justificou-se (como se precisasse !), por ter escolhido dois filmes portugueses na mesma competição internacional. Não há outra solução, quando João Nicolau e Pedro Costa fazem os seus filmes no mesmo ano. Os dois filmes, diz ela, são bem portugueses, embora um nada tenha a ver com o outro. Não podemos fazer um filme dialogar com o outro, mas podemos mostrar os dois, e assim fizemos. O filme de João Nicolau é "Techboss" e o filme de Pedro Costa, é "Vitalina Varela", verei os dois e contarei depois. Faço fé no que disse Lili Hinstin sobre esses dois filmes. E há alguma curta metragem portuguesa ? Rui Martins:  Sim ! E voltamo-nos a defrontar com a questão da nacionalidade do filme. A realizadora é romena mas a produção é portuguesa. O título "Vulcão, o que sonha um lago", de Diana Vidrascu. Ela também vive em Paris e os seus filmes têm participado nos festivais de Locarno, Berlim, Amsterdão. Alguma outra participação portuguesa importante ? Rui Martins: Sim, a do cineasta João Felipe Costa, embora fora de competição. Porém, o festival não poderia programar quatro filmes portugueses.Trata-se de "Prazer Camaradas" e está ligado directamente à Revolução dos Cravos, do 25 de Abril (de 1974). Iremos, ver todos estes filmes e traremos aqui os seus realizadores. E para concluir, não há filmes lusófonos africanos? Rui Martins: Infelizmente não. Porém, existem filmes africanos na competição das curtas e existem longas na competição Cineastas do Presente. Entre as curtas, filme do Ghana, África do Sul, e duas da Tunísia. Entre as longas em Cineastas do Presente, um filme da Argélia e outro do Senegal.  Rui Martins, do festival de cinema de Locarno para a RFI.

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